sábado, 9 de abril de 2011

Ascensão e Queda dos Morlocks

Sempre acreditei que querer reduzir toda a realidade do universo ao que nós simples mortais conseguimos perceber com nossos cinco sentidos é um materialismo tolo, pois quanto mais evoluídos nos tornamos, descobrimos que existem mais coisas entre o céu e a terra do que acredita nossa vã filosofia. Com toda a minha criação e formação, sempre me vi como um místico, uma pessoa para o qual os limites da física clássica nunca foram suficientes para explicar os lampejos de uma alma inquieta e a força de um espírito devastador.

Por muitas vezes, e durante muito tempo, e há que se dizer que até os dias de hoje, me senti um desajustado social, ou simplesmente uma pessoa deslocada no tempo e no espaço. Ocultistas orientais me diriam que a energia que emana do meu chakra da terra, o Muladhara, está enfraquecida, por isso não consigo firmar raízes no chão onde piso. Alguns espíritas me diriam que é um vazio deixado em vidas passadas, algo que preciso compensar nessa vida. Meus irmãos diriam que sou doido mesmo. Acontece que, onde quer que eu viva e onde quer que eu esteja, em algum lugar e algum momento sempre senti algo errado, uma sensação de desapego, de não pertencer ao momento presente, de estar assistindo minha vida na terceira pessoa.

Mas entre o me entender como gente e os dias de hoje houve um hiato reconfortante nesse ligeiro incômodo. Aconteceu entre os anos de 1997 e 1999, no período em que estudei no Colégio Técnico da UFMG. Eu tinha 17 anos, e naquela época fiz parte de um grupo de pessoas que ao longo de sua vida se sentiram tão excêntricos quanto eu.

Aconteceu numa manhã normal quando surpreendi uma disputa de olhares entre duas conhecidas. Elas sempre faziam isso, mas naquele dia, enquanto observava a disputa, vi nos olhos de uma delas um brilho vermelho intenso e incomum...

Eu me assustei, pois nunca tinha visto nada assim, senti arrepiar o corpo inteiro, fugi correndo, o grupo não entendeu nada. As meninas vieram até mim, com o namorado de uma delas, e me perguntaram o que tinha acontecido. Eu não conseguia encarar a menina dos olhos vermelhos, ela olhava para mim e ria muito, mas eu simplesmente a estava vendo de forma diferente, mais forte, capaz de me esmagar só de olhar pra mim. Era estranho, intenso, inexplicável. Confessei quase sem voz que os olhos dela brilharam quando ela encarava a outra, e que eu nunca tinha visto nada assim... “como você fez aquilo?”

Com a segurança de um adulto que explica para uma criança as lições mais simples da vida, ela me disse: “Não fui eu quem fez você ver aquilo, Gustavo. Foi você mesmo. Você também é sensitivo... “

Aquele momento marcou minha vida de uma forma inesperada. Depois de algumas explicações, cada um do grupo começou a me contar histórias surpreendentes de coisas que já tinham visto e ouvido desde que “descobriram” que tinham uma sensibilidade fora do comum. Éramos cinco pessoas, a Pat - a menina dos olhos vermelhos; o namorado dela; a Amanda, cuja ligação com ela vinha do fato de termos nascido no mesmo dia e outro amigo meu, o Marco Túlio, um especialista em assuntos exotéricos. “Nossa”, eu comentei, “vocês são tão estranhos, parecem um grupo de Morlocks”.

Tive que explicar para as meninas que os Morlocks eram um grupo mutante do universo em quadrinhos dos X-Men, degenerados demais para viver em sociedade, eles se escondiam nos esgotos e sofriam todo o tipo de preconceito. E nosso grupo estava batizado, a alcunha de Morlock pegou e nos tratamos assim por longos e maravilhosos dois anos.

Depois nos tornamos adultos, e o cérebro adulto não passa pelas mesmas transformações neuroquímicas que um cérebro adolescente, o que é capaz de fazer-nos enxergar coisas extraordinárias. O excesso de ondas beta aos poucos vai vilipendiando nossa subjetividade, e quando menos esperamos, nos tornamos parte do sistema. Mas por uma dessas razões que a própria razão desconhece, o grupo dos Morlocks nunca morreu de fato. Cada um de nós seguiu sua vida, a Pat não se casou com seu namorado da adolescência, a Amanda continua fazendo aniversário no mesmo dia que eu e o Marco Túlio é o mesmo Marco Túlio de sempre, trilhando o caminho do guerreiro. Inexplicavelmente, eles sempre (mas SEMPRE) surgem na minha vida nos momentos em que eu MAIS PRECISO, não sei explicar como, mas nas minhas fases mais decadentes, como anjos enviados, algo dentro deles faz com que me procurem, sem que eu grite, esperneie ou simplesmente manifeste qualquer sentimento de tristeza.

Eu que depois de onze anos já nem pensava mais nos Morlocks (como Morlocks, claro!) fui surpreendido com a leitura de uma carta que havia escrito a muitos anos atrás, numa época de sonhos que um adolescente chamado Gustavo havia depositado nesse adulto chamado Gustavo. E , apesar de não ter me tornado milionário às vésperas de completar 30 anos eu sei que não decepcionei aquele garoto, porque continuo essencialmente o mesmo sujeito, e conservo as mesmas amizades importantes. E mais maravilhoso ainda, continuo sendo visto por essas pessoas, apesar de todas as besteiras que cometi na vida, com os mesmos olhos puros de quando tinham 17 anos.

A forma como nos tratamos acaba definindo aquilo que somos. Nosso grupo sempre foi estranho, porque assim nos sentíamos, assim nos definimos e assim éramos. Agora adultos, o misticismo não deixou de fazer parte de nossas vidas. Por isso mesmo, os antigos Morlocks vêm me alertando a respeito da minha alcunha de Escritor Maldito, “o que não combina com uma pessoa doce como você”, me disseram. Ser maldito significa ser repleto de maldições, e confesso que não tenho atraído muita sorte pra mim ultimamente. Péssimos negócios financeiros, dificuldades com o carro, apatia com a família, problemas insolúveis no trabalho, foras inexplicáveis, notas baixas na faculdade, bom... minha avaliação dos meses de outubro até agora não tem sido lá muito positiva. E, como nunca aceitei ser um expectador passivo da minha própria vida, sei que para atrair positividade eu preciso tomar atitudes positivas, a começar pela mudança de nome.

Então, peço desculpas a meus seguidores acostumados com o título anterior e que por algum motivo tenham encontrado dificuldades para voltar a esse blog (por causa da mudança no link, e tudo o mais). Mas não há o que se lamentar por deixar de ser maldito... no mal sentido da palavra. Malditos estão espalhados por toda a parte, no elenco do meu Big Brother, ou nas câmaras dos deputados proferindo em público baboseiras que já deveriam ter sido enterradas junto com aquelas pobres crianças no Rio de Janeiro...

Assuntos para o próximo post... de AMANHÃ.

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