sexta-feira, 22 de agosto de 2014

ALIVE

(Por favor, se ainda não leu A Única do Mundo eu recomendo que leia antes de prosseguir por aqui...) 


A aventura do conhecimento é libertadora, mas não atinge seu objetivo se não vier acompanhada de doses cavalares de humildade e simplicidade. Não existe nada mais desagradável do que conviver com pseudo-sábios que estão sempre a destilar ao redor de si as honrarias que conquistaram ao longo da vida, por trabalharem em tais e tais lugares e terem feito tais e tais cursos e por isso sentirem que tem autoridade para argumentar sobre todos os assuntos, sem que ninguém lhes tenha perguntado. Ao contrário, quem realmente sofreu as dificuldades do saber reconhece que na verdade sabe muito pouco, ou quase nada a respeito do mundo que o rodeia, e por isso mesmo aprende a colocar-se no seu lugar e valorizar a experiência de cada um. Os verdadeiros sábios permitem que as pessoas do seu convívio descubram sozinhas que estão diante de um sábio, e dessa forma são levadas ao respeito e à admiração, muito maiores do que o que sentem por aqueles que tentam se impor. 

A vida ensina sim, é verdade, mas ensina coisas da VIDA. Existe uma discussão muito acirrada sobre o conhecimento acadêmico e científico versus o conhecimento prático, que sob meu ponto de vista não leva a lugar algum. Os defensores do conhecimento prático, às vezes por preguiça ou ignorância, batem no peito dizendo que "sabem mais do que muito doutorzinho por aí", porque já viu de tudo nessa vida e tem experiência pra contar. Jamais pararam pra pensar na possibilidade de a maioria desses "doutorezinhos" também terem sofrido emoções suficientemente fortes para lhes conferir alguma autoridade sobre a vida, o que nada tem a ver com o conhecimento acadêmico, que é só um recorte verticalizado do saber. Por outro lado, é claro que entre os defensores do academicismo há aqueles que enxergam toda a sabedoria popular como rude e atrasada, e não conseguem compreender como o mundo não se encaixa perfeitamente nos seus perfeitos modelos teóricos. 

A faculdade já me prestou experiências valiosíssimas, além de um diploma em que trocaram o nome da minha mãe pelo nome da minha tia (vai entender!). Cinco anos de Letras e nada na minha vida que me lembre desse período, exceto o fato de ter conquistado grandes amigos e escrever num blog para compartilhar um pouco algumas lições pessoais, aquelas que a vida ensina de maneira tão exemplar que mesmo se tivesse escrito no quadro 1000 vezes não teria aprendido. Uma delas, talvez das maiores, registrei aqui nesse blog, há três anos, mais precisamente no dia 20 de abril de 2011, numa crônica intitulada: Única do Mundo. Naquela época eu vivia muito só, trabalhava e não tinha amigos nem namorada, os estudos iam mal e comecei a dar valor para as pequenas coisas da vida, aqueles ensinamentos que fazem os defensores do conhecimento prático vibrarem. O que a dor de perder pessoas queridas pode nos ensinar foi ilustrado com uma história inusitada... há cerca de 15 anos conheci uma pessoa que se tornou muito amiga, mas depois de algum tempo perdemos contato. Muitos anos depois tentei reavivar nossa amizade, mas foi em vão... De uma forma esdrúxula eu descobri o porquê. Foi assim que escrevi na época:

"Ela já tinha feito uma pesquisa em todos os sites de busca conhecidos por alguém que tivesse o mesmo nome que ela (...) e jamais encontrou uma só homônima. Lembrei-me dessa história e sabia que, se digitasse o nome dela no Google, as únicas ocorrências seriam para ela mesma, e eu poderia ter alguma pista de onde minha amiga andava, que não me dava notícias.

E foi assim em 2009 que descobri que, desde o ano em que eu a vira pela última vez, minha amiga está morta, vítima de um aneurisma cerebral."

A morte tinha interrompido de maneira trágica a vida de uma garota cheia de sonhos como tantas outras, e enquanto eu digitava, as lágrimas brotavam da minha alma e encharcavam meus dedos. A dor de revelar isso foi mais intensa do que a que senti na época, fiquei tanto tempo anestesiado que só em 2011 pude pôr pra fora o que sentia em doses homeopáticas desde 2009. Aos 30 anos ainda não estamos preparados para perder nossos amigos, já tememos por nossos pais, tios, avós, mas jamais pensamos que o mesmo pode acontecer com aqueles de nossa geração. Mas acontece. E quando acontece, somos tomados por aquele impasse, a velha indagação do porquê de tudo isso estar acontecendo, quais os desígnios de um Criador tão bondoso em tirar de perto de nós pessoas tão queridas, às vezes de forma estúpida, imponderável, injustificável... 

Descobri que a busca pela verdade é algo genuíno, mas a afirmação de tê-la encontrado é pura vaidade. Se existe realmente uma Sabedoria Infinita que transcende todo o Universo, de onde me partem as credenciais para Lhe colocar o dedo em riste cobrando explicações? Pois ao mesmo tempo que defendo a "sabedoria dos sábios" humanos, não deveria da mesma forma me curvar diante daquela do Autor de todo o conhecimento? 

Com esse espírito, procurei entender com tudo isso algo que busco compartilhar com quem se dedica a gastar alguns minutos em ler meus textos. A certeza de que "cada vez que deixo de dizer 'eu te amo', corro o risco de ter perdido a última chance, a derradeira chance, de fazer com que quem eu amo saiba de fato que é amado. A distância entre o que foi e o que nunca mais será é muitíssimo pequena, entretanto, o que nunca será e o que poderia ter sido é infinita. Não há vergonha em ser intenso, se isso implica em ser honesto com os próprios sentimentos. Engraçado como a gente gosta de ouvir, mas tem vergonha de dizer. E de não em não, vamos passando pela vida, fechados em nós mesmos, até que o irônico destino se encarregue de tirar de cena os únicos do mundo pelos quais descobrimos tarde demais que esperaram a vida inteira por um simples gesto nosso."

Todos que já passaram pela experiência da perda sabem muito bem o que quero dizer. O que não daríamos pra ter uma última chance de dizer: "puxa vida, obrigado por tudo! Te valorizo muito, você é muito querido por mim". Um minuto, um segundo que seja só pra novamente poder abraçar, ou ver alguém sorrir de novo, sonhar...

Podemos guardar fotos, cartas, mensagens, lembranças... mas jamais trazer alguém de volta. Todos os nossos avanços científicos, pesquisas com células-tronco e replicações do DNA, o conhecimento sobre o Universo e a nanotecnologia não nos fornecem o instrumental necessário para que a Morte seja trapaceada. 

E todos esses anos carrego comigo uma dor silenciosa por conseguir comover a tantas pessoas sem poder contar a uma em especial que ela fez e faz parte de tudo isso, de toda essa descoberta. Dias atrás, passeando por algumas caixas antigas na Casa do Saci (como eu chamo a casa dos meus pais) encontrei um monte de cartas feitas à mão, escritas entre 1999 e 2001 por vários amigos, entre eles essa minha amiga, Ri, uma garotinha na época. Suas cartas eram tão felizes, se dobravam quase como um origami e sua letra era impecável. Ela fazia desenhos nos envelopes e na carta também, falava do futuro como se ele nunca fosse chegar... e não chegou.

Ler de novo aquelas cartas me comoveu muito. No envelope, um endereço de Belo Horizonte que fica tão perto de onde trabalho! E na época, tudo tão difícil, adolescentes dependentes de dinheiro dos pais, sem noção de como pegar ônibus direito em Belo Horizonte, pouco ou nada nos víamos, quando raro falávamos ao telefone e vez ou outra mandávamos cartas. 

Aquele envelope com aquele endereço me despertaram a vontade de visitar a antiga casa da minha amiga, conhecer sua família, saber como aprenderam a viver sem ela, levar minha crônica para que soubessem que também considerei a filha deles uma pessoa muito especial. Planejei essa visita  por algum tempo, sem coragem de encarar a verdade, de aparecer por lá e não me encontrar com ninguém - afinal de contas, nossas cartas eram de 1999!!!! Podiam ter se mudado, morrido todo mundo, quem sabe! Mas eu precisava saber...

Levou alguns dias até que em 21 de agosto de 2014 eu saí do trabalho e coloquei o endereço no meu GPS. Vi o trajeto, dez minutos pra ir, vinte pra voltar pra UFMG, dez a quinze minutos de conversa, no máximo, com alguém da família, entregar minha crônica e ir embora a tempo de chegar às 19h na Universidade. E assim, com o pensamento nas nuvens, ouvi a voz feminina do meu GPS anunciar: você chegou ao seu destino! 

No portão, ainda hesitei em apertar a campainha, pois não sabia o que dizer. Ensaiei algumas palavras, fiquei imaginando quem iria aparecer. Toquei. Esperei longos minutos. Nada.

Toquei novamente. Esperei. Nada. Já ia para o carro quando ouvi uma movimentação. Meu coração gelou. 

Um senhor abriu a porta. - Boa noite, pois não? - disse ele, muito educado.

Eu me aproximei pra que ele ouvisse. Sei que minha voz sai quase inaudível normalmente, ainda mais quando estou nervoso. Com o envelope da minha falecida amiga na mão e minha crônica na outra, perguntei: "por acaso é aqui que morou a Ri"?

"Morou não. Mora!"

"Como senhor?"

"Ela ainda mora aqui. Quer falar com ela?"

"Mas ela não teve um AVC?"

"Sim, há uns onze anos. Ela ainda está se recuperando, mas está bem. Não quer entrar e falar com ela?"

(Vocês vão ler esse texto em sequência... mas aqui eu preciso parar e respirar! Reviver isso... não sei explicar... se é possível traduzir em palavras o que foram atravessar esses trinta metros até entrar em sua  casa...)

E eis que eu vejo assim que passo pela porta da frente...

Meu Deus do Céu..

Em pé, na porta da cozinha, como Lázaro voltando da morte, Ri, viva, sorrindo, me dizendo "boa noite, Gustavo, quanto tempo! Eu me lembro muito de você. Que bom que veio!" Meus olhos se enchendo de lágrimas diante de um pai e uma irmã que não entendiam absolutamente nada! Um turbilhão de coisas passando na minha cabeça e eu só conseguia dizer: Meu Deus, pensava que você tinha morrido! O site da UFMG anunciava que você deu entrada no Hospital com morte cerebral já declarada! Depois disso não houve mais nenhuma notícia sua em nenhuma mídia! Seus últimos registros são de antes do AVC!!!

 E ela estava... está viva!

Esse tempo todo, chorei tantas vezes, queria tanto poder dizer que gostei demais de ter lhe conhecido, que torço pelo seu sucesso, queria lhe contar que estou aos poucos conquistando tudo que quero, tenho uma filha linda, uma companheira maravilhosa, continuo estudando, estou trabalhando numa área espetacular! 

Um abraço guardado há onze anos comoveu pai, irmã e mãe que agora vinha ver quem era o moço que achou que a Ri havia morrido. E eu sabia que, a partir daquele momento, meu mundo havia mudado completamente. Precisava mudar.

Então, se o conhecimento humano não foi capaz de driblar o legado da Morte, a fé para a qual nada é impossível, acabara de tornar realidade algo que eu jamais poderia esperar, que eu jamais ousaria desejar. No dia 21 de Agosto de 2014, o Pai da Sabedoria olhou pra alguém aqui embaixo e realizou algo que milhões, bilhões de pessoas desejaram viver um dia. Uma segunda chance de dizer pra alguém que se foi o quanto ela é especial. E finalmente eu consigo entender o que é que nos move, seres humanos, a acreditar que haverá um dia, um lugar, um tempo, em que todas as nossas aflições poderão ser recompensadas, a fé em que tudo o que vivemos só vale a pena porque temos a certeza do abraço guardado àqueles que à nossa maneira soubemos ou deveríamos ter sabido demonstrar o quanto foram amados.

Ela está viva... Aproveite enquanto os seus também estão!


Abraços e até meu próximo post

Gustavo Jonathan Costa
"Porque a vida vale a pena HOJE"











segunda-feira, 23 de junho de 2014

UMA CRÔNICA HISTÓRICA - ou Diário de uma visita em família a Ouro Preto

Ao som de Infinita Highway marcávamos nossa viagem de volta de Ouro Preto. Às vésperas de completar 33 anos, jamais tive a oportunidade de vencer os poucos mais de 130 quilômetros que me separavam de um dos maiores centros históricos do nosso país. E, por pouco, iria precisar esperar mais. Mas o patrocínio do meu irmão Ramon e a vontade de estar numa viagem em família superaram as minhas dificuldades, e naquela segunda-feira, dia 16/06, iniciamos nossa jornada.

 No caminho, registramos mais uma edição do Rádio Polo. Há dois anos, meu irmão e eu criamos o hábito de gravar um “programa de rádio” a bordo do seu carro (Um Polo, daí o nome...). Cada gravação não durava mais do que dez minutos. A nova edição contou com a participação de Vovô Eustáquio, Vovó Esmeraldina e Karine, a caçulinha sem educação. Engraçado como essa brincadeirinha faz a gente se encher de saudade daqueles momentos cada vez que escutamos.  Ouço os programas antigos e sou capaz de lembrar exatamente onde estava quando cada palavra foi dita.


E finalmente, após algumas horas de estrada – e uma retenção que nos deixou imóveis por mais de quarenta minutos – eis que chegamos ao nosso destino. Havia muito tempo eu não encarava o desafio de estar no mesmo teto que meu irmão, meus pais e minha filha por mais de três dias, convivendo juntos e revivendo experiências da minha infância enquanto marcava uma outra. Minha única certeza nessa viagem é que as sensações provocadas por ela durariam para sempre.

O primeiro contato com a Praça Tiradentes não me surpreendeu, confesso.  As ruas de pedra – que devem ter causado algum dano à suspensão do nosso querido Polo – faziam me sentir na Universidade Federal de Minas Gerais, exceto pelo fato de não encontrarmos quase nenhuma região absolutamente plana. As casinhas me lembravam muito às de minha querida Caracóis de Cima, uma região de Esmeraldas que mantém ainda intactas suas origens. Como já estávamos no horário de almoço e não tínhamos muito tempo para rodar a cidade, optamos por “experimentar” a tradicional comida mineira no Restaurante Bené da Flauta, recomendado por servir a melhor torrada do mundo, o que é um grande exagero, embora sua comida seja excelente, salgada apenas no preço!


Aliás, a cozinha mineira foi nossa escolha em todos os outros dias da viagem. Eu, que me recuso a subir em uma balança já há alguns dias, ainda não consegui ficar de saco cheio de tanto ver panelas de pedra em fogão à lenha recheadas de frango com quiabo e feijão tropeiro!

Nestes dias em especial, visitar Ouro Preto não é somente viajar no tempo, mas também no espaço. Em clima de Copa do Mundo, a cidade recebe turistas de todas as partes, e tem-se não só a sensação de estar em outra época, mas em outro lugar. Pelo menos dois mil colombianos haviam chegado ao centro histórico no fim-de-semana (dados não oficiais) e muitos europeus e asiáticos também estavam presentes.

No dia do jogo do Brasil contra o México, pela segunda rodada da fase de grupos, visitamos o Museu dos Inconfidentes e a Casa da Moeda. Conhecemos mais uma vez detalhes da história do povo em sua luta pela liberdade da opressão e da tirania de um império massacrante, mas de forma tão presente ela nos provoca arrepios. Acompanhamos o desenrolar dos acontecimentos torcendo para que dessa vez o final tenha sido diferente, mas nada muda. Os instrumentos de tortura aos escravos nos provocam dor quando os vemos. Difícil imaginar que há apenas três gerações da minha (sim, somente três gerações! O avô do meu pai foi escravo)  algo assim era usado contra um ser humano, usado pelos mesmos que ao cair da tarde frequentavam aquelas belas igrejas que rodeiam toda a cidade... Com certeza, ainda temos muitas contradições a superar.

Contradições muitas vezes retratadas na arte barroca presente por todos os lados. O barroco brasileiro sempre foi considerado uma arte “pesada”, carregada demais. Diante das obras de Aleijadinho, a profusão de dor e sofrimento exaltadas por imagens sagradas faz-nos sentir realmente diminuídos e em eterno conflito. O “culto do exagero” é onipresente, e olhos pouco adaptados à arte sentem que tudo aquilo é maravilhoso.
À tarde era hora de nos concentrarmos na Praça Tiradentes para assistirmos ao jogo da Seleção Brasileira. Um telão instalado no centro da cidade atraiu centenas de pessoas às ruas, e assim pudemos ter uma noção da dimensão da quantidade de turistas na região. Não eram poucos, mas menos do que esperávamos.  Meu pai, meu irmão e eu nos embolamos do jeito que dava, sentados no chão mesmo,  e entre uma Skol e outra fomos abordados por uma das figuras dessa viagem, o “Pitoco” um negro catador de latinhas e óculos fundo de garrafa que dava a si mesmo os méritos para aquela festa. Nós o tratamos bem a princípio, mas sua insistência em não nos deixar assistir ao jogo e ainda por cima querer beber nossa cerveja logo nos fez querer despistá-lo. Não foi fácil.

No intervalo do primeiro tempo, quatro latões (pra cada) e nenhum gol, já havíamos atingido o nível 2 da embriaguez. Na multidão um mexicano solitário era celebridade, tirava fotos com todo mundo. Um problema com meu carregador de celular me deixou praticamente incomunicável,  e o 1% de bateria restante no celular do meu irmão não foram o suficiente para que pudéssemos registrar aquele encontro “histórico”. 

Segundo tempo de jogo, e a Skol havia sido substituída por dez Kaisers que um morador de uma república vendia a dois reais cada uma. Os gritos de gol não vieram, ficaram entalados no fundo da garganta, impedidos pela atuação brilhante do goleiro mexicano Ochoa. Mesmo assim já estava rouco, gritava palavrões e gesticulava muito, entrava nesse momento no nível 3 da embriaguez. Tudo era festa! Fim de jogo, nada de gols. 

A multidão se espalhava e no meio da muvuca enxerguei minha mãe e minha filha que deviam estar na pousada. Então meus olhos já estavam me pregando uma peça? De jeito nenhum, elas chegaram a tempo de nos encontrar nos enturmando com um grupo de alemães que também tinham ido ali assistir ao empate da Seleção Brasileira. No meio deles, apenas um suíço que morava no Brasil falava português. Mas não lhe dei atenção, aproveitei meu "momento desinibição" para apresentar aos gringos minha mãe e minha filha, só para mostrar à minha progenitora que os anos de inglês não foram em vão. A Karine ficava maravilhada e ao mesmo tempo incomodada a ver pessoas conversando sem que ela pudesse entender uma só palavra, e ao mesmo tempo se sentia orgulhosa em saber que o papai podia entendê-los (desde que falassem somente em inglês... hehehe). 

Depois de nos despedirmos dos estrangeiros  -  e, na versão da minha mãe, gritarmos "Brasil! Brasil!" para os carros que passavam nas ruas - avistamos um rapaz afeminado que vendia ingressos para o show dos Candongueiros, um grupo de gafieira que iria se apresentar num salão próximo à nossa pousada. Já havíamos tomado conhecimento desse show na véspera, e então resolvemos ir, já que o movimento na praça começava a diminuir. E queríamos atingir pelo menos o nível 4 da embriaguez. 

Não sei se foi o álcool, mas antes de irmos, ainda conhecemos um americano, namorado de uma brasileira, que falava e entendia o português melhor do que a gente. "Oh man, I'd like a chance to warm up my English and you speaking my language. Come on! Forget it!" Acho que disse algo parecido com isso a ele. No caminho, um sambinha na esquina nos fez parar por alguns minutos, e enquanto esperava meu irmão ir até o banheiro do bar, acabei conhecendo Dona Lurdes, uma senhora negra e magrinha, mas muito negra e muito magrinha mesmo, do cabelo bem crespo, dona de um gingado e uma simpatia que logo conquistou a mim e ao Ramon. Ela e seu filho Diogo, que começava a fazer seu curso de metalurgia, também nos indicaram o Clube 15 de Novembro, onde iria se ocorrer o show dos Candongueiros. 

Chegando ao clube, encontramos a dona do salão, que conhecemos um dia antes na mercearia do Seu Enéas. A dona Marli e o marido dela, o "Seu Sérgio",  nos receberam de braços abertos (claro! clientes né?) e nos ofereceram umas porções tira-gosto de cortesia. No balcão, encontramos o rapaz afeminado que tinha nos vendido os ingressos: Josimar. Estudante de não-sei-o-quê, ele se sentou conosco e começou a reclamar (justamente!) do tamanho das porções pelas quais se cobrava 
oito reais! Acabamos discutindo sem querer com a cozinheira que não tinha nada a ver com a história, e fomos pra pista de dança. 

As cervejas já haviam sido substituídas por caipirinhas, e no meio do salão, vi a dona Lurdes, com quem dancei muito, o Diogo, que dizia insistentemente que fazia questão que Ramon e eu viéssemos em sua formatura, e tinha outro cara lá, que depois me adicionou no Whatsapp, mas eu não sei o nome dele! Tinha mais gente, umas meninas com quem dançamos um pouco de forró, só pra esnobar, mas o pior da noite foi ficar se esquivando do Josimar, que queria ficar comigo ou com o Ramon de qualquer jeito.

Quando percebi que estava ultrapassando já o nível 4 da embriaguez, minhas pernas automaticamente me levaram até a saída, e daí pra Pousada, parando pra pedir informação somente uma vez. Deixei pra trás meu irmão e uma blusa, mas só meu irmão iria chegar cerca de meia hora depois - segundo meu pai, que havia ficado acordado esperando a gente, me contou. 

Levantamos cedo no dia seguinte, mas não conseguimos ir muito longe. Após o café, dormimos enquanto vovó e Karine batiam perna pelas ruas de Ouro Preto. Somente à noite, contra a vontade da netinha, conseguimos fazer nosso último passeio: passar depressinha pela cidade de Mariana e conhecer um pouquinho de mais um centro histórico.

Enfim... visitar Ouro Preto foi uma desculpa que conseguimos para tirar nossa família do cotidiano e nos colocarmos juntos num lugar diferente... as anedotas que essa viagem nos proporcionou seriam praticamente as mesmas quaisquer que fossem os lugares escolhidos, e não caberiam nessa crônica: as conversas jocosas no café da manhã, a preocupação excessiva de minha mãe com a comida, a quantidade de sonequinhas.. além é claro dos longos papos que a muito tempo eu não podia bater com meu irmão caçulinha, no final das contas, foi o maior legado histórico que essa viagem pôde nos proporcionar, e queira Deus que as promessas feitas na Casa do Saci comecem de fato a se tornar - como o amor que tenho por essa família tão atrapalhada! - uma realidade! 









sexta-feira, 13 de junho de 2014

CONTOS ANACRÔNICOS: HISTÓRIAS DO PROFESSOR DE PORTUGUÊS DE SÃO CAJÁ DO MATO DENTRO

 A LOUCA

 Existe uma cidadezinha em Minas Gerais chamada São Cajá do Mato Dentro. Fica a 350 quilômetros de Belo Horizonte (logo ali, como dizem alguns habitantes da região).  Nessa cidadezinha vive um Professor de Português que, depois de visitar os principais centros históricos do Estado (como São José da Lapa e Vespasiano) resolveu se aposentar e morar no interior. Mas não parou de trabalhar. De Segunda a Sexta-feira continua a exercer seu ofício de professor, dando aulas particulares ou em grupos para que os habitantes da região possam aprender a se comunicar melhor no idioma padrão.

Mas não são todos os dias que vemos o Professor exercendo sua função. Geralmente, nos fins de semana, ele gosta de passear de tardinha pelo centro da cidade (uma pracinha, um bar e uma igreja) onde conversa com os habitantes locais. Estando a praça meio vazia neste Domingo, andou acompanhado de um exemplar de Dom Casmurro, do seu escritor preferido Machado de Assis, além do seu bloco de anotações. Sentando-se num dos bancos, tirou seus óculos, abriu o bloco e começou a escrever:

“Leitura Número 85 do Livro Dom Casmurro de ASSIS, Machado de. Pude perceber nessa leitura que...”

Enquanto prosseguia em sua análise, eis que uma conhecida louca que de vez em quando se desbaratava por ali surgiu do nada, completamente bêbada. Era inofensiva na maioria das vezes, mas muito incômoda.

- Eu mato aquele cretino! – gritou ela dando giros em torno de si, entrando na pracinha.

As janelas das casas começaram a se abrir e cabeças curiosas surgiram por entre as aberturas. O Professor, porém, permanecia impassível em sua leitura e nem sequer se mexeu.

- Vou acabar com a vida dele. O maldito que me trocou por aquela vaca!  Cretino!! Eu mato! Eu mato ele e todo mundo que aparecer na minha frente, eu mato! MATO!

Gritava cada vez mais forte, andando entre tropeços, a roupa maltrapilha, rasgada, o cabelo desgrenhado, rebelde, apontando para cima como chifres feitos de palha de aço. Os olhos vermelhos, a boca vazia de dentes, e os poucos que tinham eram amarelos e podres.

A Louca ainda não tinha se tocado da presença de mais uma pessoa na praça. O Professor, absorvido em sua leitura, sequer chegou a levantar os olhos para observar quem era a responsável por toda aquela gritaria que, aparentemente, não o perturbava. Quando ela viu que havia alguém ali perto, interrompeu o escândalo e começou a estudá-lo em silêncio.

- Foi você! – gritou novamente. – Você, o infeliz que me arruinou e me roubou tudo!!

Gritava histérica. Os homens do bar já haviam saído e se aproximavam da cena, preocupados com a reação da Louca. Nunca a tinham visto tão alterada, muito menos alguém permanecer tão quieto diante de tamanho escândalo. Todos conheciam o bom senso e a famosa paciência do Professor de Português, mas não sabiam que ele pudesse permanecer calmo diante daquela cena constrangedora.

- Larga isso e vem me encarar agora. Cadê aquela vadia, hein? Largou você também? Igual você fez comigo. Bem feito, agora eu quero tudo o que você me levou, tudo!!!

- Ei Professor. – gritavam alguns. – Saia daí, essa mulher está muito alterada hoje. Ela pode atacar o senhor.

Ele que até então não havia esboçado nenhuma reação tirou vagarosamente os óculos e fechou o livro, encarando a mulher sem demonstrar nenhuma surpresa.

- Madame, por favor. Os seus gritos estão prejudicando enormemente minha leitura. Por que está tão aborrecida?

- Eu quero tudo de volta, seu cretino. Seu traidor! Você me traiu e me levou tudo. TUDO!!

- Bem, se a senhora está me confundindo com alguém, devo lhe dizer que acabei de me mudar para este lugar e não posso ser quem você pensa que eu sou. Sinto muito!

- Eu sabia, você continua sendo um covarde, UM COVARDE!!

- Olha, eu estou num momento muito importante, lendo um livro de Machado de Assis. Se a senhora puder deixar essa conversa pra mais tarde...

- Um viado que você é. – Gritava a Louca. – Viadão! Esse homem é um VIADÃO, gente!

A Louca ria e gritava fazendo gestos obscenos, tentando chamar a atenção do Professor de Português. Ele, por sua vez, recolocou os óculos e retornou à sua leitura, inalterado. Os habitantes da região já começavam a se impressionar.

- Esse Professor tem moral mesmo.

- Nunca vi alguém ser tão calmo quanto ele.

- Se fosse comigo eu já teria arrebentado a cara dessa vadia.

A cena se desenrolava a cada minuto ganhando ares cada vez mais surreais. De um lado uma louca completa se descontrolava girando e se descabelando enquanto proferia todo tipo de ofensas e palavrões no ouvido do Professor. Por outro lado, ele permanecia imóvel, seus olhos desfilando pelas linhas do livro, quieto, incólume ao estardalhaço que se desenvolvia ao seu redor, como a estar no silêncio de uma biblioteca. Algumas mulheres gritavam das janelas pedindo que alguém tirasse a Louca de perto do Professor, pois ela poderia machucá-lo. Mas mesmo os mais corajosos não se aventuravam a chegar perto dela, pois jamais a tinham visto tão zangada e tão descontrolada como agora.

- Quer saber, homem? – continuava a mendiga. – Você não vale NADA! Perdi meu tempo com você. Você é um frouxo, um viadão mesmo. Tão viadão quanto esse Machado que você tá lendo aí.

- Como é que é? – perguntou o Professor levantando os olhos do livro.

- Você e esse cara que escreveu esse livro aí são dois VIADÃO!!! Ah, ah, ah, ah...

Foram necessários cinco homens para tirar o Professor de cima da Louca. Ela foi levada às pressas para o único hospital da cidade, em coma.
 

segunda-feira, 5 de maio de 2014

A construção de um farmacêutico

Esta postagem foi desenvolvida como um trabalho para a disciplina: Farmácia e Sociedade, do Professor Edson Perini da Faculdade de Farmácia - UFMG.

Em 31 de julho de 2014 estarei completando 33 anos de existência. Nessa idade, o maior homem da História Ocidental já tinha andado sobre as águas, multiplicado pães e peixes, transformado água em vinho, morrido e, de acordo com seus seguidores, ressuscitado. Ou seja, para alguns, é tempo suficiente para cumprir a mais difícil das missões. Mais contemporaneamente, conheço jovens, com a mesma idade ou menos, concluindo seus doutorados, ou mesmo escutando minhas reclamações nos consultórios médicos, odontológicos ou farmacêuticos, consertando meu carro ou me atendendo nos consultórios de advocacia.

A construção de uma carreira pode ser uma história simples para muitas pessoas que receberam a luz assim que nasceram. Para outros, a Estrela de Davi não aponta o caminho de maneira tão clara. Nestes 33 anos,  acredito sim que poderia estar já usufruindo de uma carreira farmacêutica em constante acensão, mas uma história de vida muito singular me deixou, agradecidamente, no primeiro período de faculdade em pleno ano de 2014.

Por que vim parar aqui logo agora? Não é uma resposta difícil, ainda que a história seja longa. Sou o filho mais velho de três irmãos que foram criados juntos, pois nascemos praticamente "um atrás do outro". Meu irmão do meio completou 31 anos em Fevereiro, e o caçula completará 30 anos em Agosto. Crescemos na cidade de Pedro Leopoldo, na região metropolitana de Belo Horizonte. Tivemos uma infância muito humilde, embora não fosse necessariamente pobre. Roupa, comida, vestuário, e até uns bons brinquedos nunca nos faltaram. mas não tivemos uma vida de luxo.

Três dos grandes pilares da minha educação foram o Respeito, o Trabalho e o Estudo. Estes valores pétreos eram rigidamente inseridos em nosso inconsciente através dos conselhos e ordens sábias de minha mãe, que sempre acompanhou muito de perto toda nossa a formação psíquica, social e moral. Desde muito pequenos, gostávamos de jogos de quebra-cabeças, de coletar bichos no quintal e eu, particularmente, desenvolvi um interesse especial por livros e contos. Comecei a escrever histórias infantis muito criança, e ainda no 1º grau (atual Ensino Fundamental), minhas redações eram expostas pelos professores para toda a escola.

Quando concluí a 8ª série (último ano do Ensino Fundamental) minha mãe me inscreveu num exame de seleção para os cursos técnicos do Coltec e Cefet, e fiz a prova mesmo sem saber para quê mesmo estava fazendo. Fui aprovado no Coltec. E comecei a estudar com a intenção de me formar como técnico em eletrônica, que era o que os garotos da minha idade faziam na época. Mas o choque com as ciências exatas mudariam meus planos, para o desespero do meu pai. Fascinado com as ciências aplicadas, optei pelo curso técnico de Química, e me ingressei no caminho mais tortuoso (e não menos exato...) que o Colégio Técnico tinha a oferecer...

Foram Anos Incríveis, exatamente como naquele seriado exibido pela Rede Minas nos anos 80 sobre a vida de Kevin Arnold, o adolescente atrapalhado dos anos 60. O Coltec, além de me capacitar para o exercício de minha nova profissão, me ajudou a desenvolver outras habilidades adormecidas, como o prazer pela arte, da apreciação estética da Literatura, pelo desafio de aprender uma nova língua... E todo esse aparato foi utilizado na escolha do meu curso de Graduação: Letras.

Fui aprovado no Vestibular de 2002, mas já contava com pelo menos dois anos de experiência como Técnico em Química em uma fábrica de cimentos quando consegui emprego em uma Indústria de Diagnósticos em desenvolvimento na Fundação Biominas. Esse ano foi realmente especial para mim, pois foi quando, numa paixão adolescente desenfreada, decidi me casar com a garota que conhecia a menos de um ano, e comecei a  seguir rumos díspares que iriam modificar meus planos completamente. Apeguei-me à indústria de diagnósticos como um bote salva-vidas que deveria me manter emerso  até que concluísse minha Graduação em Letras, mas com o passar do tempo, meu domínio das técnicas de manipulação de reagentes de ELISA e Bioquímica começaram a se destacar.

Formei-me em 2007, mais precisamente no dia 31 de Julho de 2007, dia em que completei 26 anos de idade. Já era pai de uma garotinha de dois anos, havia dado entrada em um apartamento e tinha carteira assinada há pelo menos cinco anos em uma mesma empresa. Também já havia recebido uma promoção e quatro aumentos de salário. Abandonar tudo isso por uma carreira completamente nova, parecia uma loucura, algo muito irresponsável. Minha esposa também ansiava por poder concluir seus estudos, e minha participação nas atividades familiares era fundamental. Meu diploma, por ora, teve que ser arquivado.


Continuei trabalhando com diagnósticos sempre no setor produtivo, mas meu envolvimento com a área me deixava cada vez mais interessado em conhecer os mecanismos pelos quais os reagentes se combinavam formando produtos. E meu destaque era evidente. De Técnico de Fabricação fui promovido à Encarregado de Produção, e então conheci o homem que finalmente iria sacramentar minha carreira de uma vez por todas.

Toda história tem um mito, um ícone, uma pessoa especial e um momento singular que define o que somos de modo extraordinário. Essa pessoa, eu não poderia deixar de mencionar: meu ex-gerente e grandioso amigo, o senhor Carlos Alberto Rosa. Ele assumiu a diretoria da minha empresa numa fase de grande transição, um momento em que a Supervisora de Produção abandonava o barco, tomada pela estafa, deixando um vácuo estratégico que não poderia ser substituído por alguém que não conhecesse profundamente os processos produtivos da empresa. Apesar da minha formação imatura, o "Seu Carlos", como ficou conhecido, reconheceu em mim as virtudes que ele buscava para seu novo Supervisor de Produção, e tão logo pudemos ter nossa primeira conversa ele me revelou seus objetivos. Eu, ao contrário, tinha outros planos: migrar de vez para o setor de Pesquisa e Desenvolvimento que começava a se formar na empresa. Fizemos então um acordo de cavalheiros: eu assumiria temporariamente a Supervisão de Produção e me inscreveria em algum curso superior da área, enquanto ele buscava no mercado alguém que pudesse me substituir quando eu já tivesse bagagem suficiente para investir em Pesquisa.

Nessa época, meu casamento já tinha se esvaído, e me joguei enlouquecidamente na jornada. Trabalhava todos os dias da semana, sábados, domingos, feriados, não raro das sete da manhã às oito da noite. E o "Seu Carlos" cumpriu uma parte do combinado. Contratou um Pesquisador e um Supervisora de Produção, ambos com muitíssima experiência, e cada um fez crescer ainda mais minhas experiências e expectativas em relação ao futuro.

Os recém-contratados eram casados, e com o tempo fui ganhando a afeição dos dois. Nos tornamos amigos, eu frequentava a casa do casal e durante esse período eu tive minha primeira conquista: a aprovação no Vestibular da UFMG 2010 para o curso de Química.

Estávamos todos cumprindo nossa parte do "contrato", mas uma conversa com o "Seu Carlos" em 27 de Julho de 2010 mudou tudo. Ele me chamou em sua sala por volta das 18h30, e depois de discutirmos pequenas frivolidades, perguntei sobre o estado de saúde da Supervisora, que havia se internado dias atrás com uma forte dor de cabeça...


- Ela morreu...


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Pela primeira vez eu vi aquele homem formado na Aeronáutica, e acumulado dezenas de títulos nas áreas de Física e Gestão Empresarial, se desmanchar em lágrimas. Então o AVC - ele novamente - havia quebrado de forma silenciosa e cruel um elo que se formara com tanto esforço. Não perdíamos só uma profissional, perdíamos uma amiga, um suporte, alguém que nos fazia sentir que tudo iria dar certo. E o golpe foi duro demais.

Tive que voltar à minha equipe e reconfortá-la numa fase em que não acreditava em absolutamente mais nada. E o "Seu Carlos", não suportando a pressão, acabou sendo substituído. A nova gestão acreditava que tudo o que a gente realizava até então estava ultrapassado, e com o apoio do Pesquisador viúvo, trataram de me afastar da empresa também, após nove anos de dedicação.

Por sorte, a experiência acumulada me tirou da calçada dos desempregados em rápidos dois meses. Apesar de toda minha trajetória profissional parecer loucura, consegui me fazer convencer na empresa na qual trabalho atualmente, e que me deu a chance e investir no sonho que sempre busquei: Pesquisa e Desenvolvimento. E os campos de atuação da empresa - também de diagnósticos - me fizeram perceber que a escolha da graduação talvez tivesse sido equivocada, e que o curso de Farmácia me tornaria muito mais capacitado a atender as expectativas da minha equipe atual. 

Com carta branca para ser criativo, começar do zero e, de certa forma, fazer o que "eu quiser", hoje trabalho no "emprego dos sonhos" dos farmacêuticos e dos biomédicos. E finalmente, quando acreditava que chegaria o momento de colher de alguns dos frutos que plantei, me coloco este novo desafio: começar (quase) do zero uma graduação rodeado de colegas com seus dezoito e vinte anos que sequer eram nascidos quando a Seleção Brasileira conquistou o Tetracampeonato de Futebol na Copa do Mundo de 94.

E é somente retirando forças de onde só Deus e o ciclo de Krebs conseguem explicar, me proponho a repensar e discutir de maneira ampla o meu papel na sociedade, enquanto profissional da saúde, a tentar entender o porquê da existência desse profissional, a que órgãos ele está associado e como funcionam estes órgãos. Procuro entender também essa complexidade que é o ser humano, em quantos níveis se organiza, em quantas partes pode ser dividido, qual a nossa ligação com essa natureza que nos cerca. Tanto num nível macroscópico, em seus aspectos morfológicos, quanto microscópio, em aspectos bioquímicos, essa "máquina que muitas vezes precisa ser consertada" fornece argumentos fantásticos para se acreditar na existência de um Ser Superior e ao mesmo tempo para se duvidar dele.  E, se o desafio de se chegar ao final deste curso, em jornada dupla, às vésperas, quem sabe, de completar meus quarenta anos de existência seja meu legado, que ele seja conduzido com o mesmo otimismo e bom humor que, em última instância, é também um dos pilares que me fizeram chegar até aqui e me fazem seguir em frente. 


Há noites em que o único pensamento que me vem à mente é desistir. Aquelas noites em que não se consegue conciliar o sono, pois dormir parece desperdiçar demais um tempo em que se deveria estar estudando. Mas, por um desses motivos singulares que não se pode explicar, dentro ou fora da Faculdade existem anjos que nos guiam para a frente, que não nos deixam jamais desistir, que seguram a onda quando a sensação é a de que o mundo todo deveria explodir. 

Existe muita coisa por trás do meu sonho de ser farmacêutico. Nunca quis ser médico, embora tenha um irmão na família (o caçula, de 30 anos), já graduado e que vive financeiramente muito bem, obrigado! Mas não é o que me seduz. Eu quero sim, ganhar bem, dirigir um carrinho legal, me casar novamente com a garota dos meus sonhos (e que já conquistei!). Mas as pessoas em que me espelho não são, nunca foram, os modelos de riqueza, mas os modelos de genialidade, de criatividade, de inventividade que só experiência e prática profissional podem proporcionar. 

Posso em algum momento ter invertido a ordem das coisas e acumulado muita prática e pouquíssima teoria. Mas de alguma forma, tudo só fez a minha trajetória se tornar um pouco mais original.

O diploma de Letras? Vou brincando de usá-lo neste blog até me aposentar. Então vou usá-lo como sempre usei-o a vida inteira: por puro prazer!


















Que venha o 2º período!! 

Gustavo Jonathan Costa
"Porque a vida vale a pena HOJE!"












quinta-feira, 13 de março de 2014

BREVES PALAVRAS DE RETORNO (Não espere um grande texto - no sentido literal)

Da próxima vez em que decidir abrir mão de alguma coisa, peço àqueles que me acompanharam neste blog que me sugiram cortar um braço ou uma perna, porque sem meus textos, definitivamente não posso ficar. Engraçado que, quanto mais obrigações se acumulam à minha tão massacrada agenda, mais sou tentado a espiar velhos textos e desejar expressar novos. Fazer o quê? Algo inscrito na expressão gênica do meu DNA.

Volto este ano com meu blog para matar a saudade das atividades que não me são árduas, pois isso tem me servido de excelente bálsamo. Porque se é bem verdade que os anos têm se passado com uma velocidade impressionante, os dias se arrastam com uma morosidade sádica, o que é bem contraditório, mas faz sentido para 10 entre 10 pessoas que estão lendo isso.

Sempre me impressiono ao notar o quanto sou compreendido ao ser mais contraditório do que coerente. Não que não paute minhas decisões sem o sanção da racionalidade, mas porque acredito que por mais linear que seja a vida, nossa geometria espacial e atômica sugerem um movimento circular, pendular e senoide universais, que sempre nos colocam contra nós mesmos, e somos obrigados a voltar e refletir sobre as decisões de outrora pautadas sobre uma nova experiência.

Há três meses atrás, abandonei este blog.

Hoje estou de volta.

Amanhã, quem sabe!


Abraços e até meu próximo post.

Gustavo Jonathan Costa
"Porque a vida vale a pena HOJE!"
Capela em Dusseldorf na Alemanha - Se a vida é cíclica, quero voltar pra lá também. 

Filosofia de um escritor nostálgico, com algum senso de humor.