Daqui a exatamente 3 meses, mais
precisamente no dia 12 de maio, a maioria de nós não mais se lembrará que há
duas semanas uma boate pegou fogo em Santa Maria, levando a óbito 238 jovens
que ali estavam. Será o Dia das Mães, e
para um grupo especial de pessoas a dor dessa perda jamais será abrandada... São
aquelas mulheres especiais que um dia receberam a dádiva de receber e alimentar
dentro de si uma dessas duzentas e tantas vítimas... As mães desses
jovens sentirão eternamente o peso da ferida
causada pela inversão natural de ter que enterrar seus próprios filhos.
Não existe nada que nos prepare
para sepultar nossos pais. Mas aos pais, sequer passa pela cabeça viver mais
que aqueles que de quem cujos lábios saem palavras tão pequenas e tão
profundas. Não é só uma dor incurável, é uma completa sensação de fracasso –
como se você tivesse falhado justamente com a pessoa que mais ama, aquela que jurou proteger de todos
os males, e que o mundo covardemente tirou de seus braços.
Quando lamento minha falta de
sorte, lembro-me que devo ser grato por ter uma filha linda e saudável, e
desejo que ela seja feliz acima de qualquer outra coisa. Mas não é o amor que
sinto por ela que me intriga, existe outra pessoa que é capaz de me surpreender, no
auge dos meus 31 anos...
Mãe...
A MINHA mãe, essa senhorinha
gorducha de olhos cansados, dona de uma força de vontade capaz de transformar
carvão em diamante. Tem uma personalidade forte, teimosa, valente, corajosa e
incansável e quis o destino que de dentro do seu ventre materno fossem gerados três
filhos de personalidade forte e teimosa e valente e corajosa e incansável, além
de egocêntrica e ciumenta. Com
autoridade militar, ela nos ensinou a partilharmos nossos bens, nos ensinou a
sermos humildes, a não fazermos distinção de pessoas, a valorizarmos o esforço
pessoal e o talento individual, a não desistir nunca, nunca, nunca, nunca e
NUNCA... Porque quem conhece a minha mãe sabe que ela NUNCA desiste...
Ela tem um AMOR (maiúsculo) que eu sinto sem conseguir
compreender... Não é como o amor de pai, sem menosprezar o amor do meu pai, que
é enorme. Mas falo porque eu também sou pai. Nós, homens, aceitamos o fato de ser pai – é uma
convenção social. Nós não nos sentimos pais, nós aprendemos a ser pais vendo
outros pais, e a cada manifestação de carinho dos nossos filhos vamos nos
afeiçoando a eles e aprendemos a amá-los, e amamos tanto que depois não sabemos
como não gostar deles... Mas mãe é diferente... ela já foi um só conosco, ela
padece cada lágrima nossa, ela consegue sentir nosso sofrimento como se fosse
dela, como se fosse maior nela do que em nós.
Um pai (ainda vou escrever uma crônica
sobre Pais) faz coisas pelos filhos como um gesto de doação – e quer um
reconhecimento, ainda que bem tardio. A mãe faz coisas pelos filhos como se
fizesse para si mesma, ou melhor ainda, e espera que esses reconheçam na
própria felicidade o dedo amoroso que os acompanharam durante toda a vida...
Mas a vontade de conquistar o
mundo para os filhos, infelizmente, encontra obstáculos ao longo do tempo... Se
a sua mãe já passou dos cinquenta anos, sabe bem do que estou falando. Existe
um momento em que o corpo físico já não suporta mais os sacrifícios que foram feitos até que os filhos se transformem em
homens feitos. Deveria ser este o
momento em que os pais decidem descansar, gozar a vida, lembrar que são homens
e mulheres cheios de sonhos adiados por muitos anos...
Deveria...
Quem conhece minha família sabe
que meus pais conseguiram, depois de muitos sacrifícios, construir em um terreno
afastado da grande selva urbana, a casa dos sonhos. Pelo menos a casa dos
sonhos deles. E vivem
maravilhosamente num pedaço de paraíso que se tornou refúgio para mim, meus
irmãos, parentes e amigos que visitam a Casa do Saci constantemente e não se
cansam de cantar suas maravilhas aos quatro cantos do mundo. Pois a dona desse
paraíso, em uma conversa daquelas sérias que só ela sabe ter, me disse que para te ver feliz meu filho, vendo tudo,
casa, carro e apartamento, como até lama pra te colocar num bom caminho.
E não é pra chorar e se emocionar
com uma demonstração de amor desse tamanho? De alguém que já deveria estar
vendo os filhos tranquilos e felizes? Minha mãe, que já não tem os ossos fortes
como tinha há trinta anos, que passou recentemente por uma cirurgia de esôfago,
enxerga mal e sente sempre fortes dores na coluna, toparia passar por tudo de
novo e mais um pouco, só pra me ver feliz... Mamãe é tão bonitinha que no mesmo
dia, antes de sair para dar seu plantão noturno no Hospital das Clínicas, me
pediu quase em súplica: meu filho, vou
ter que abusar de você, mas juro que é só um pouquinho... você pode regar
minhas rosas hoje pra mim?
E COMO EU NÃO VOU REGAR AS ROSAS
PRA QUEM ACABOU DE ME DIZER QUE VAI ABRIR MÃO DE TUDO O QUE TEM POR MIM?
Minha mãe me pede pequenos
favores diários porque sabe que eu faço de coração. Porque eu conheço sua
rotina, sei o que ela pensa e sente. Talvez você, filho ou filha que esteja aí
sentado lendo essa crônica, esteja se sensibilizando e pensando em sua mãe
agora. Então você pensa que seria mágico se você fosse até ela nesse momento,
desse um beijo e dissesse," mãe eu te amo! Obrigado por tudo o que a senhora fez
e faz por mim". Sabe o que eu digo pra você? Continuar dizendo pra sua mãe que você
a ama, não vai adiantar NADA se você não começar a ter vergonha na cara e
arrumar sua cama, se você não vai até ela e oferece ajuda pra passar um pano
nesse chão que você pisa todos os
dias, ou pra lavar o vaso sanitário em que você
defeca e ela é obrigada a lavar. Dizer palavras doces faz muito bem, mas
aliviar as dores do corpo de sua mãe, picando aquela cenoura pro almoço, ou
lavando sua roupa de vez em quando, opera verdadeiros milagres.
Sabe aquela casca de banana que você
jogou no cesto de lixo e você viu cair no chão? É pra sua mãe pegar pra você,
não é? Antes ou depois de você dizer que a ama? Grande gesto de amor...
Sabe aquela comida que ela fez
pra você e você não comeu, e ficou velha? Que tal usá-la pra fazer a janta só
hoje, ou um mexido, ao invés de tirar sua mãe da cama, ou do seu descanso, ou
de sua novela, só pra ir pro fogão fazer comida nova pro marmanjo? Ou sua ideia
era esperar a janta ficar pronta (enquanto você descansa) pra depois dizer pra
ela o quanto a ama?
A maioria dos filhos tem a falsa ideia
de que pra mãe é sempre um prazer fazer comida e lavar roupa, quando a verdade é
que o grande prazer das mães é ver os filhos felizes. Se tiver que ser lavando roupa,
que seja lavando roupa, se tiver que ser fazendo comida, que seja... E muitas
vezes, na correria de ganhar a vida, ganhar o dia, trabalhar e estudar,
acabamos mesmo precisando de um suporte – e achamos que nossas mães são sempre
o caminho mais rápido e seguro. E eu seria um hipócrita se dissesse que não
conto muito com a ajuda da minha querida, às vezes. Mas não acho justo, nem
bonito, que a troco de não fazer nada, a pobre coitada lave, cozinhe, passe e
arrume casa para mim.
Afinal de contas, seus ossos já
não são mais aqueles, sua mente já não é mais aquela, sua força também não...
apesar de eu ainda sentir tremores quando ela ameaça me dar uns safanões, sei
que a força do seu braço seria incapaz de me provocar uma dor real. Os anos vão
passando, e os papéis se invertem. As crianças se tornam homens (e mulheres). Pais
e mães se tornam avós, e os cuidados que eles nos dedicavam agora vão precisar –
de nós, seus filhos.
Quer maior prova de amor do que
amparar seu pai e sua mãe com o braço, quando suas pernas já não são fortes o
bastante para levá-los aonde quer que precisem ir? Quer maior prova de amor do
que colocá-los pra dormir, levá-los ao médico? Cuidar de suas funções mais
básicas quando eles já não conseguem se controlar sozinhos? Limpá-los, dar-lhes
banho, se necessário?
Você não assume essa missão no
momento de necessidade, é preciso que vá treinando, se envolvendo cada vez mais com a
intimidade e as dores dos seus pais para que – quando menos se esperar – eles já
tenham se entregado inteiramente aos seus cuidados, confiantes e eternamente
gratos.
E sabiamente você terá a
consciência que tudo, absolutamente TUDO o que fizer não será suficiente para
lhes retribuir o que fizeram por você ao longo da vida...
E que o último sono das pessoas
que mais lhe amaram na vida venha sem o pegar desprevenido, sem que você tivesse
dito todas as vezes o quanto é grato... o quanto os ama... o quanto os amou...
E o final dessa crônica não podia
ser mais clichê...
Mãe – Eu te amo!