quarta-feira, 20 de abril de 2011

ÚNICA DO MUNDO

Até mesmo um escritor nostálgico (que já foi chamado de Maldito por ele mesmo...) sofre seus vazios às vezes... poucas coisas são tão dolorosas como um parto, e isso pelo menos eu nunca vou entender o quanto, pois em sua perfeição, Deus me privou dessa responsabilidade. Mas escrever esse post foi, e está sendo tortuoso, porque diversas vezes ele foi iniciado e apagado... como se de repente me faltassem as palavras para escrever, e eis uma sensação à qual eu não estou acostumado. A verdade é que ainda que eu acredite que possa exprimir com minhas palavras o que eu bem entender, existem coisas dentro de mim que me colocam num impasse, por incapacidade, limitação humana, ou mesmo a limitação do próprio gênero crônica, lamentavelmente considerado menor dentro das classes literárias.
Geralmente dedico umas duas ou três horas para escrever minhas crônicas. Eu faço um esboço, escrevo tudo o que eu quero, sem me preocupar com correções, gramatiquices e bobagens do tipo. Meu discurso é Livre e Direto. Feito o texto, leio uma vez. Se ficou bom, não altero nada. Se for muito tarde da noite, deixo para publicá-lo no dia seguinte. Então, na hora de publicar, leio de novo. Aí começo a fazer algumas correções... elimino redundâncias, acerto concordâncias, coisas do tipo. Então publico. Aí leio de novo, porque depois de publicado é sempre possível achar alguma coisa errada. Então quando eu acho, tiro o post do ar, e edito de novo. Simples assim.
Mas essa crônica tem me custado muito mais do que qualquer outra que eu tenha escrito anteriormente, porque quando me sentei em frente ao computador eu tinha mil assuntos para expor, e caramba... eis que eu abro um Novo Documento do Word e tudo o que eu consigo ver na minha frente é uma tela em branco. O que antes era uma promessa de repente tornou-se um vazio assustador...
Eu senti como se houvessem colocado um espelho diante da minha alma...
Porque diante de tantos acontecimentos polêmicos que giram ao redor do mundo, de repente eu caí em mim sentindo que estou cansado de dar murros em ponta de faca. Simplesmente senti que não tenho forças pra me posicionar contra ou a favor do que quer que seja, preciso nesse exato momento da minha vida fazer uma pausa de espírito e cuidar de mim... Pois é bem verdade que morar sozinho traz vantagens extraordinárias, quando se trabalha e é dono do próprio nariz, mas a solidão tem seu preço, e mesmo um sujeito introspectivo como eu muitas vezes sou testado ao extremo da tolerância. Se por um lado tenho meu lar como um refúgio, um lugar onde sempre posso embalsamar minha alma e me preparar para o próximo desafio, por outro, existem ocasiões em que dizer tchau para um amigo ou colega de trabalho ao final do expediente ou da aula traz um sentimento terrível, pois sei que as cordas vocais que vibraram às seis ou sete da noite muito provavelmente só voltarão a ser usadas no dia seguinte as oito da manhã, cerca de doze horas depois.
Felizmente, a vida moderna permite que algumas janelas para o mundo sejam abertas ainda que a gente nem precise sair de casa. Escrever em um blog é uma experiência libertadora, mas não substitui o convívio pessoal, e eu considero lastimável ver que muitas pessoas acham que, se podem “ver” seus amigos todos os dias no MSN, por exemplo, então estão entrando em contato. Não percebem que no fundo não estão interagindo com ninguém de fato, apenas com uma máquina animada que reproduz o que seu amigo está digitando do outro lado do teclado.
O contato pessoal te obriga a olhar os olhos do outro, faz suas mãos tremerem, faz a gente se preocupar com a aparência, com o cheiro... até com a saúde... A gente consegue ouvir a risada do outro, o ronco da barriga, descobre para onde ele olha quando está distraído, o que diz quando bebe algumas, vê as marcas que tem no rosto, como cuida das unhas, do cabelo... se está feliz ou triste, se ainda acredita na vida ou se apenas espera algum milagre acontecer...
A experiência da solidão tem me feito uma pessoa mais sensível a algumas coisas que passam despercebidas àquelas que sempre tiveram com quem contar. Eu procuro valorizar pequenos gestos, como um aperto de mão bem forte, um toque nos cabelos, ou um beijo no rosto, porque preciso sentir as pessoas que estão ao meu redor, e preciso ser presente. Uma mensagem pelo celular, um telefonema, um e-mail ou mesmo um scrap que não tenha sido enviado para mim e para mais 387 amigos... são coisas pequenas que podem fazer toda a diferença no dia de quem passou 24 horas esperando por nada (e só recebeu sms da operadora...)
Minha filhinha sabe que todas as vezes em que conversamos, ao nos despedirmos eu devo dizer “te amo muito, mais que tudo”, ao que ela responde da mesma forma. E ainda desenha no ar um coração, beija as mãos e sopra pra mim dizendo: “um coração pra você”. Porque eu quero ensiná-la desde criança que bonito mesmo é dizer o que se sente, é expressar quando se gosta de alguém, e não ficar se escondendo atrás de máscaras de indiferença e aspereza. Aprendemos e reforçamos, principalmente na adolescência e juventude, que estar apaixonado é motivo de vergonha, e deve ser escondido, quando feio mesmo deveria ser a atitude de quem não gosta, não se apaixona, porque a paixão nos faz sentir vivos, plenos, pois (putz, vai soar meio clichê) só quem ama consegue viver intensamente. Ainda que se sofra por amor, mesmo que a princípio isso pareça uma alienação, mas vale mais sofrer por uma paixão do que o sofrimento de nunca ter se apaixonado.
Certas coisas a gente só dá valor quando se perde. Perdi muitas coisas na vida, algumas pra sempre, outras não. Lembro-me de uma pessoa muito querida, que conheci há muitos anos, num retiro de grupo de jovens em Areias, que participei quando tinha entre dezoito e dezenove anos. O apelido dela era Ri, ela tinha um nome diferente e se auto-intitulava Ri, Única do Mundo. Tornamo-nos grandes amigos naquela época, a internet ainda não era uma realidade como hoje e trocávamos cartas feitas à mão mesmo. Nós ficamos algumas vezes, mas o que era mais importante pra gente era nossa amizade, nossa cumplicidade e companheirismo. Ela gostava das mesmas coisas que eu, queria estudar Química (eu já fazia o curso técnico) e simplesmente vibrava com minhas conquistas, e eu com as dela.
Depois passamos algum tempo sem nos ver, os anos se passaram e eu me casei, a vida tomou outros rumos, quando encontro a Ri de novo em 2003, num ponto de ônibus próximo à UFMG. Estava casado havia apenas um ano, contamos as novidades, trocamos e-mails (aaah, agora sim!) e prometemos manter contato a partir de então. O importante era saber que estávamos bem, e sempre seríamos amigos.
Eu não mandei os e-mails a princípio, mas com o passar dos anos me veio a saudade daquela pessoa que sempre me apoiava em tudo, e então comecei a enviar mensagens para saber das novidades, como ela estava, se tinha conseguido entrar para o curso de Engenharia de Minas que era seu sonho, enfim... por onde ela andava. Mas ela não respondia nenhum dos meus e-mails.
Pensei que ela pudesse ter mudado o endereço ou coisa assim. Eu pelo menos esperava por isso, pois com todas as promessas que já havíamos feito um pro outro de sempre manter viva nossa amizade, achava um absurdo que ela se recusasse a me responder daquela forma ou mesmo não me procurasse, ainda que estivesse namorando alguém, ou casada. Mas então finalmente tive uma idéia de como achá-la. O título de Única do Mundo não era por acaso. Ela já tinha feito uma pesquisa em todos os sites de busca conhecidos por alguém que tivesse o mesmo nome que ela (sim, o Google já existia) e jamais encontrou uma só homônima. Lembrei-me dessa história e sabia que, se digitasse o nome dela no Google, as únicas ocorrências seriam para ela mesma, e eu poderia ter alguma pista de onde minha amiga andava, que não me dava notícias.
E foi assim em 2009 que descobri que, desde o ano em que eu a vira pela última vez, minha amiga está morta, vítima de um aneurisma cerebral. E agora, com inesperadas lágrimas que me saem dos olhos, tudo o que posso afirmar é que a Ri nunca me desapontou, porque eu entendi que só mesmo um motivo muito forte poderia tê-la forçado a não responder uma mensagem minha, ou mesmo ter se ausentado por tanto tempo. Sou grato por ela ter partido sabendo o quanto era importante na minha vida e Ri... onde quer que esteja, peço que perdoe por ter demorado tanto tempo para perceber que você só não estava mais comigo porque não estava mais conosco...
Então aprendi que cada vez que deixo de dizer “eu te amo”, corro o risco de ter perdido a última chance, a derradeira chance, de fazer com que quem eu amo saiba de fato que é amado. A distância entre o que foi e o que nunca mais será é muitíssimo pequena, entretanto, o que nunca será e o que poderia ter sido é infinita. Não há vergonha em ser intenso, se isso implica em ser honesto com os próprios sentimentos. Engraçado como a gente gosta de ouvir, mas tem vergonha de dizer. E de não em não, vamos passando pela vida, fechados em nós mesmos, até que o irônico destino se encarregue de tirar de cena os únicos do mundo pelos quais descobrimos tarde demais que esperaram a vida inteira por um simples gesto nosso.
Abraço a todos e até meu próximo post.
Gustavo Jonathan Costa
Porque a vida vale a pena HOJE.

domingo, 10 de abril de 2011

A BOLA DA VEZ

(segunda crônica desse final de semana. Se ainda não leu a primeira, veja logo abaixo)

Por muitas vezes nesse mesmo blog já fiz relatos apaixonados de minha infância e minha juventude. É bem provável que a essa altura, o leitor já acostumado com meus posts consiga compreender um pouco da formação do meu caráter, entende as dificuldades que enfrentei, os conflitos que vivi, o que eu era e o que eu sou e porque eu sou. Ora, muitas vezes já me senti perseguido pelo destino, como se houvesse sido colocado no centro de uma grande piada cósmica, aos serviços de divertir algum Criador cujo senso de humor fosse completamente questionável.

O tempo passou e me dei conta de que não sou lá tão especial assim pra merecer a atenção de quem não tem mais nada pra fazer a não ser assistir pra onde vai essa merda toda que ele criou. De repente, a gente começa a olhar para os lados e vê que no fundo só existe vida miserável e cheia de dificuldades, e que comparada a outras histórias, a gente acaba tendo motivo de sobra pra rir à beça de alegria, e no fundo se sentir até mesmo um pouco privilegiado.

Nunca fiz nada pra merecer enfoque exclusivo. Reconheço minha mediocridade nas minhas feições mestiças, na minha inteligência limitada e até no meu tipo sanguíneo, de longe o mais abundante na face da terra. Se tiver algo especial, é uma verruga na virilha que preciso queimar o quanto antes. Até o ordinário molde do meu rosto só ficou bonito quando usado na minha filha... Fora isso não me destaco por nada exatamente, e foi assim durante toda a minha vida, mesmo naqueles anos em que a aceitação pelos outros era tema central da minha torturada existência social. Durante a adolescência foi difícil aceitar minhas limitações. A religiosidade, o fato de não ser bom nos esportes, as mãos pequenas, estar sempre acima do peso, tudo isso contribuiu para que eu me desenvolvesse com uma personalidade um pouco mais retraída, subjetiva, romântica e ligeiramente depressiva...

Então a gente cresce, vira homem, assume responsabilidades, descobre nossas aptidões, manda o mundo tomar no cu, e segue andando pela selva de pedra em busca de sobrevivência, compartilhando experiências e descobrindo que todos esses medos e incertezas são tão universais quanto umbigo... todo mundo tem, teve e terá. Em muitos casos, torna-se difícil superar certas limitações, e às vezes a ajuda de amigos apenas não é suficiente, precisamos recorrer à ajuda profissional. Psicólogos, psiquiatras e psicanalistas estudam durante anos pra ficar escutando e analisando a condição ruim de gente que não conseguiu superar esse sentimento de frustração e passou a vida inteira se sentindo mais na merda do que todo mundo. Esses deveriam assumir logo suas fraquezas, colocar o rabinho entre as pernas e procurar a ajuda desses profissionais...

Isso o cara deve fazer ANTES de ter uma piração total, pegar uma arma e entrar numa escola para atirar em meninas de dez anos à queima-roupa porque o miserável era desprezado durante a infância. Porque quando o filho da puta começa a achar que sua vida é pior do que a dos outros, é geralmente isso o que acontece. O cara não se trata, se sente sozinho, humilhado, e acha que a culpa disso tudo é do mundo, e não dele que não teve competência suficiente para se socializar adequadamente. E aí quer notoriedade, vai matar os filhos de quem não tem nada a ver com sua existência medíocre e SÓ DEPOIS estoura os próprios miolos. Meu amigo, você leitor que se por algum motivo estiver vivendo drama semelhante, faça um favor para mim e pra toda a humanidade, ESTOURA A SUA CABEÇA AGORA, antes de fazer qualquer besteira. Porque pra todo mundo já é difícil demais lutar todos os dias para sobreviver financeiramente, sustentar os filhos e o governo, agüentar jornalista falando que pobre não pode ter carro e ainda ter que chegar em casa e ver certas notícias na televisão. Todo mundo tem vontade de descarregar tudo num Dia de Fúria, mas é de ficar puto quando a gente vê um retardado fazer isso. Eu já me sentia indignado quando escrevi minha crônica Big Brother 174, e agora parece até que pressentia que outra tragédia como essa ia acontecer, porque no momento em que soube do que houve naquela escola do Rio de Janeiro eu só pude pensar em minha filha de 5 anos sozinha em uma escola... e de novo aquele sentimento de impotência se abateu sobre mim.

Se tem gente tentando entender a cabeça desse desgraçado Wellington, não sou eu. Lamento apenas que ele tenha morrido antes da hora. Não há o que entender, o rapaz se saía bem na escola, era bom nos esportes, e não conseguia se socializar. Se estava enlouquecendo, PROCURASSE AJUDA, não esperasse o mundo conspirar pra salvá-lo, porque ele NÃO FAZ ISSO. A felicidade de cada um de nós está em nossas próprias mãos, ainda que nossa destruição possa estar nas mãos de outros. É assim, é a vida, é cruel mas é a lei do universo, e ela vale pra todo mundo.

Se a cada sentimento de rejeição eu fosse estourar os miolos de alguém, não haveria mundo que chegasse. Mas com o tempo, a gente começa a enxergar as compensações, e vê que o mundo não é tão injusto assim. Eu tenho saúde. Posso comer de tudo e não passo mal. Sei nadar. Tenho pai, mãe, irmãos e filha. Todos eles sabem que os amo porque já ouviram isso da minha boca. Sei também que a recíproca é 100% verdadeira porque já ouvi deles declarações igualmente apaixonadas, quer coisa melhor do que isso?

Antes de enlouquecer, procuro pensar que existem pessoas que contam comigo, e precisam de mim bem e feliz. Essa cambada da família aí vibra e torce pelo meu sucesso. Tenho amigos onde trabalho que precisam que eu execute bem minhas tarefas para que as deles não sejam prejudicadas. Tenho uma filha que acha que eu sou o Super-Homem. Para aquelas pessoas que conheci e vivi por tempo suficiente para fazer a diferença eu preciso tomar uma atitude positiva, vencer minhas barreiras, minhas limitações, e aceitar minhas mediocridades para não mergulhar na insanidade, pois minha vida não pertence só a mim, embora seja de minha total responsabilidade.

Mas hipoteticamente falando, ainda que a consciência de tudo isso me fugisse um dia, ainda que o fardo da minha existência fosse tão grande que eu já não conseguisse suportar, que nenhuma psicanálise ou Rivotril tenha surtido efeito além da eventual brochada, que eu acabe somente comigo mesmo sem pra isso ter que atrapalhar a vida de ninguém que não tenha nada a ver com isso. E fica a dica, meu amigo. Se você tá sozinho, se sentindo desprezado pelo mundo, pare de achar que estão menosprezando você, às vezes é só pelo fato de você ser um babaca mesmo, vai se tratar, ler, estudar, descobrir que existem outros como você, desabafar, ALGUÉM nesse mundo vai querer te ajudar, nem que você tenha que pagar pra isso, procure umas prostitutas, trabalhe, faça exercícios, entre para uma academia de artes marciais pra descarregar a tensão, faça atividades em grupo, TOME UMA ATITUDE...

Ou morra sozinho, o que ainda é muito melhor do que ser lembrado eternamente como um grande filho da puta.

sábado, 9 de abril de 2011

Ascensão e Queda dos Morlocks

Sempre acreditei que querer reduzir toda a realidade do universo ao que nós simples mortais conseguimos perceber com nossos cinco sentidos é um materialismo tolo, pois quanto mais evoluídos nos tornamos, descobrimos que existem mais coisas entre o céu e a terra do que acredita nossa vã filosofia. Com toda a minha criação e formação, sempre me vi como um místico, uma pessoa para o qual os limites da física clássica nunca foram suficientes para explicar os lampejos de uma alma inquieta e a força de um espírito devastador.

Por muitas vezes, e durante muito tempo, e há que se dizer que até os dias de hoje, me senti um desajustado social, ou simplesmente uma pessoa deslocada no tempo e no espaço. Ocultistas orientais me diriam que a energia que emana do meu chakra da terra, o Muladhara, está enfraquecida, por isso não consigo firmar raízes no chão onde piso. Alguns espíritas me diriam que é um vazio deixado em vidas passadas, algo que preciso compensar nessa vida. Meus irmãos diriam que sou doido mesmo. Acontece que, onde quer que eu viva e onde quer que eu esteja, em algum lugar e algum momento sempre senti algo errado, uma sensação de desapego, de não pertencer ao momento presente, de estar assistindo minha vida na terceira pessoa.

Mas entre o me entender como gente e os dias de hoje houve um hiato reconfortante nesse ligeiro incômodo. Aconteceu entre os anos de 1997 e 1999, no período em que estudei no Colégio Técnico da UFMG. Eu tinha 17 anos, e naquela época fiz parte de um grupo de pessoas que ao longo de sua vida se sentiram tão excêntricos quanto eu.

Aconteceu numa manhã normal quando surpreendi uma disputa de olhares entre duas conhecidas. Elas sempre faziam isso, mas naquele dia, enquanto observava a disputa, vi nos olhos de uma delas um brilho vermelho intenso e incomum...

Eu me assustei, pois nunca tinha visto nada assim, senti arrepiar o corpo inteiro, fugi correndo, o grupo não entendeu nada. As meninas vieram até mim, com o namorado de uma delas, e me perguntaram o que tinha acontecido. Eu não conseguia encarar a menina dos olhos vermelhos, ela olhava para mim e ria muito, mas eu simplesmente a estava vendo de forma diferente, mais forte, capaz de me esmagar só de olhar pra mim. Era estranho, intenso, inexplicável. Confessei quase sem voz que os olhos dela brilharam quando ela encarava a outra, e que eu nunca tinha visto nada assim... “como você fez aquilo?”

Com a segurança de um adulto que explica para uma criança as lições mais simples da vida, ela me disse: “Não fui eu quem fez você ver aquilo, Gustavo. Foi você mesmo. Você também é sensitivo... “

Aquele momento marcou minha vida de uma forma inesperada. Depois de algumas explicações, cada um do grupo começou a me contar histórias surpreendentes de coisas que já tinham visto e ouvido desde que “descobriram” que tinham uma sensibilidade fora do comum. Éramos cinco pessoas, a Pat - a menina dos olhos vermelhos; o namorado dela; a Amanda, cuja ligação com ela vinha do fato de termos nascido no mesmo dia e outro amigo meu, o Marco Túlio, um especialista em assuntos exotéricos. “Nossa”, eu comentei, “vocês são tão estranhos, parecem um grupo de Morlocks”.

Tive que explicar para as meninas que os Morlocks eram um grupo mutante do universo em quadrinhos dos X-Men, degenerados demais para viver em sociedade, eles se escondiam nos esgotos e sofriam todo o tipo de preconceito. E nosso grupo estava batizado, a alcunha de Morlock pegou e nos tratamos assim por longos e maravilhosos dois anos.

Depois nos tornamos adultos, e o cérebro adulto não passa pelas mesmas transformações neuroquímicas que um cérebro adolescente, o que é capaz de fazer-nos enxergar coisas extraordinárias. O excesso de ondas beta aos poucos vai vilipendiando nossa subjetividade, e quando menos esperamos, nos tornamos parte do sistema. Mas por uma dessas razões que a própria razão desconhece, o grupo dos Morlocks nunca morreu de fato. Cada um de nós seguiu sua vida, a Pat não se casou com seu namorado da adolescência, a Amanda continua fazendo aniversário no mesmo dia que eu e o Marco Túlio é o mesmo Marco Túlio de sempre, trilhando o caminho do guerreiro. Inexplicavelmente, eles sempre (mas SEMPRE) surgem na minha vida nos momentos em que eu MAIS PRECISO, não sei explicar como, mas nas minhas fases mais decadentes, como anjos enviados, algo dentro deles faz com que me procurem, sem que eu grite, esperneie ou simplesmente manifeste qualquer sentimento de tristeza.

Eu que depois de onze anos já nem pensava mais nos Morlocks (como Morlocks, claro!) fui surpreendido com a leitura de uma carta que havia escrito a muitos anos atrás, numa época de sonhos que um adolescente chamado Gustavo havia depositado nesse adulto chamado Gustavo. E , apesar de não ter me tornado milionário às vésperas de completar 30 anos eu sei que não decepcionei aquele garoto, porque continuo essencialmente o mesmo sujeito, e conservo as mesmas amizades importantes. E mais maravilhoso ainda, continuo sendo visto por essas pessoas, apesar de todas as besteiras que cometi na vida, com os mesmos olhos puros de quando tinham 17 anos.

A forma como nos tratamos acaba definindo aquilo que somos. Nosso grupo sempre foi estranho, porque assim nos sentíamos, assim nos definimos e assim éramos. Agora adultos, o misticismo não deixou de fazer parte de nossas vidas. Por isso mesmo, os antigos Morlocks vêm me alertando a respeito da minha alcunha de Escritor Maldito, “o que não combina com uma pessoa doce como você”, me disseram. Ser maldito significa ser repleto de maldições, e confesso que não tenho atraído muita sorte pra mim ultimamente. Péssimos negócios financeiros, dificuldades com o carro, apatia com a família, problemas insolúveis no trabalho, foras inexplicáveis, notas baixas na faculdade, bom... minha avaliação dos meses de outubro até agora não tem sido lá muito positiva. E, como nunca aceitei ser um expectador passivo da minha própria vida, sei que para atrair positividade eu preciso tomar atitudes positivas, a começar pela mudança de nome.

Então, peço desculpas a meus seguidores acostumados com o título anterior e que por algum motivo tenham encontrado dificuldades para voltar a esse blog (por causa da mudança no link, e tudo o mais). Mas não há o que se lamentar por deixar de ser maldito... no mal sentido da palavra. Malditos estão espalhados por toda a parte, no elenco do meu Big Brother, ou nas câmaras dos deputados proferindo em público baboseiras que já deveriam ter sido enterradas junto com aquelas pobres crianças no Rio de Janeiro...

Assuntos para o próximo post... de AMANHÃ.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

ESCRITOR MALDITO

Cada dia que passa eu chego à conclusão que meu negócio mesmo é escrever... No início, foram as aulas de Cálculo Diferencial e Integral e Geometria Analítica e Álgebra Linear que me fizeram pensar assim, afinal de contas essas disciplinas são uma afronta à qualquer brasileiro mal iniciado nas artes matemáticas, algo que hoje em dia gira em torno de 95% da população.

Ao contrário do que pensam alguns, escrever é uma arte. Diferente da lógica matemática, em que os doutores do ICEx(Instituto de Ciências Exatas da UFMG) conseguem fazer tudo se encaixar perfeitamente, fazendo-nos nos sentir uns completos idiotas, o encaixe das letras não depende do conhecimento de regras pré-estabelecidas. Ou você sabe, ou não sabe. Se não sabe, nada fará com que saiba. Se sabe pouco, pode melhorar muito, e vir a saber. Eu sempre gostei de escrever, embora soubesse pouco. Ter feito Letras na UFMG não me tornou cronista, isso é algo que eu sempre gostei de fazer, mas não num blog como faço hoje. Até porque antes de 2002 os blogs não eram tão famosos como atualmente...

Infelizmente, escrever não tem lá o prestígio de outras formas de arte em nossa sociedade brasileira. Isso pelo simples fato de que nós brasileiros temos preguiça de ler. Eu, particularmente, acho uma arte estranha mesmo. Ela não tem beleza em si... você pega um texto e olha de longe... putz, que preguiça, não vou ler isso não. Diferente de uma imagem que te atinge no ato, em suas diferentes tonalidades. Atualmente as editoras “apelam” para capas de livros cada vez mais chamativas, cheias de cores e ilustrações, até alto relevo, para atrair os leitores para o mesmo fundo branco repleto de letras pretas formando palavras que compõem todos os livros desde a Antiguidade.

A música consegue ser ainda mais sensacional. Você não precisa encará-la pra perceber sua essência... ela te pega pelas costas, de olhos fechados. E quando é mesclada à dança, que é a própria representação visual das músicas... bem, talvez mil palavras não sejam suficientes para descrever essa forma de arte...

O cinema consegue mesclar todas essas formas e criar a sua própria linguagem... imagem, música, dança... e uma série de outros recursos que provocam nos expectadores passivos múltiplas sensações. A escrita não. Para alcançar o efeito da arte da escrita é preciso um esforço inicial do leitor... ele precisa olhar para o texto, começar a decodificar as primeiras palavras, sentir do que se trata a história... ir imaginando aos poucos. É necessário um esforço ativo do leitor, por isso mesmo, um texto pra ficar realmente famoso, atingir várias pessoas, provocar diversas emoções, tem que ser realmente bom. Tem que convencer o leitor mais preguiçoso, ele tem que ter escutado falar desse texto em algum lugar, gostar do escritor, ter lido algo dele antes... coisas do tipo.

Por isso mesmo eu fiquei emocionado com as manifestações de admiração que vieram da leitura do meu último post (Auréola). Não só recebi comentários no próprio blog, mas recebi telefonemas, scraps e torpedos de leitores que se envolveram com uma de minhas grandes histórias. Inclusive da própria Bia. E esse foi um dos motivos que me levaram a chegar à conclusão de que meu dom mesmo é escrever.

É também minha maldição.

Poucas pessoas entendem que ser um artista não quer dizer necessariamente que somos artistas da vida. Engraçado como muitos acabam me procurando para conhecer quem é o cara que escreveu tal coisa, de repente com a idéia errada de que eu posso ter algum tipo de aura especial... e acabam se decepcionando, porque na minha mediocridade, eu sou um ser humano normal, que sua, tem gases e cheira mal se não tomar banho todos os dias.

Ora, invariavelmente trombamos na rua com dezenas e centenas de cantores, atores, escritores, pintores e cineastas sem que a simples presença deles não nos cause o mínimo espanto. Ás vezes eles estão no nosso caminho quando precisamos atravessar uma avenida movimentada e o fato de estarem ali só nos causa incômodo. A arte não nos marca de maneira especial... nós somos simplesmente o que somos. Então, torna-se frustrante para qualquer artista ser abordado por algum dos admiradores da sua arte e perceber nesses a decepção por não ver no autor a própria arte.

É claro que meus textos são a pura expressão do que eu guardo dentro de mim. Isso por si só pode levar alguns a querer ver em mim a força que vê nos textos. Mas não é bem assim. Minha forma de expressão pessoal, social e profissional é diferente...Eu não sou minhas crônicas, assim como James Cameron não é Avatar, e Elis Regina não era como nossos pais... Auréola é capaz de arrancar lágrimas e suspiros de admiração porque a história arranca lágrimas... e isso é algo que não dependia só de mim. Saber transmitir isso, fazer com que você, leitor, sinta o que eu senti e o que aprendi com a Bia, sim, é um talento desse artista, mas a natureza tem suas compensações, e pode ter certeza que você realiza muitas coisas admiráveis aos meus olhos, mesmo que com seu texto você não seja capaz de me contar.

Escrever bem muitas vezes é uma maldição, porque abre caminhos que o escritor não é capaz de percorrer. Imagine você leitor que a Cameron Diaz lesse uma de minhas crônicas (hipoteticamente falando, claro. Vamos supor que ela tenha aprendido português com o Rodrigo Santoro!) e tenha achado o máximo o que eu disse sobre a Síndrome do Pavo. Ela continua lendo mais alguns textos, detesta o Big Brother 174 e não curte muito o A favor do coletivo. Fica meio em cima do muro quando o assunto é Desligião mas vai à loucura quando lê Auréola. Então ela deixa um comentário. Me manda um e-mail. Eu respondo, achando engraçado, ou no mínimo que é um fake qualquer...

Ela não desiste, me adiciona no seu MSN. Com muito custo, consegue provar que é de fato a Cameron Diaz e que adora a forma como eu escrevo. Ora, pelo MSN um escritor que se preze escreve tão bem quanto em qualquer outro lugar... Eu interajo magistralmente com a atriz hollywoodiana e ela fica impressionada com minhas respostas, minha criatividade, meu jeito de “falar”...

Então finalmente ela vem para o Brasil e quer me conhecer...

Caras... eu vou fazer o quê??? Ficar de frente para a Cameron Diaz, aquela blond girl fantástica... e começar a suar como um louco, minha voz vai falhar, minhas mãos vão tremer... Imagina se ela chega num domingo – naqueles dias em que eu não faço barba e fico de bobeira em casa sem me produzir pra nada. Que fiasco! Lá se vai a imagem do Escritor Maldito por água abaixo. Ou no mínimo, ia me tornar ainda mais maldito...

Talvez eu não tenha sido preparado pro assédio... algumas pessoas tem esse dom. Eu não. A admiração sim,é uma coisa louvável, e faz bem. Mesmo que comentários completamente discordantes nos fazem sentir que produzimos um efeito. Ninguém escreve pra jogar seu texto no vazio, por mais miserável que seja. A indiferença completa, essa sim é deprimente. Como é deprimente a indiferença de algumas pessoas que não vêem o escrito no escritor... Porque ainda que o escritor não tenha lá as mesmas qualidades que se percebem quando se lê seu texto, ele é uma pessoa única, com qualidades suficientes para se tornar na vida de qualquer um uma pessoa inesquecível...

Que o digam aqueles que convivem com ele há muitos anos, e ainda que admirem profundamente o Escritor Maldito, amam ao Gustavo incondicionalmente...

Gustavo Jonathan Costa

“Porque a vida vale a pena HOJE!”