domingo, 12 de dezembro de 2010

Papillonfagia

Esse texto é desaconselhável para menores de 18 anos. Contém cenas de sexo explícito e linguagem forte.
Quando eu era criança sabia que existia alguma coisa errada comigo...
Sempre me senti diferente dos outros garotos, um pouco desajustado, desalinhado, sei lá...
Eu era gordo, tinha as pernas tortas, não gostava de praticar esportes... Sempre fui ruim de bola, não sabia andar no mato, não levava jeito com as bolinhas de gude.
Por outro lado, gostava de desenhos, gostava de ler revistinhas em quadrinho, gostava de escrever... Tinha uma letra redondinha, que invejava meus colegas na época, principalmente as meninas.
Tudo em mim me incomodava. Não era agressivo, não era brigão, nunca fui competitivo... Ressentia-me com o tamanho das minhas mãos, que eram (ainda são) bem pequenas, do tamanho "de mãos de moça" como sempre foram classificadas. Essa era dose! Na adolescência, surgiam alguns comentários dizendo que o tamanho da mão é proporcional ao tamanho do pau do cara, e eu sempre ficava com fama de japonês. Puta que o pariu! Mas poucas pessoas tiravam onda com a minha cara, eu falava pouco e brincava menos ainda, então acho que eles tinham medo que eu fosse me derramar de chorar e ir correndo contar pra "tia" caso alguém me fizesse mal.
Sempre me julgaram muito frágil...
Eu gostava de coisas não muito ortodoxas na minha primeira juventude. Fiz teatro, fiz dança, poesia... até alisamento de cabelo.
Uma vez, ainda bem jovem, ouvi alguém falar a meu respeito: "Cara, esse Gustavo parece viado!"
Eu não sabia o que era viado, e não existia o Google na época para que eu pudesse descobrir. Mas aos poucos fui conhecendo e percebendo alguns outros caras que também eram conhecidas como
viados. E eu pensei: Cara, eu devo ser viado mesmo!!
Os viados também eram chamados de mulherzinha, e não via nenhuma ofensa nisso. Acreditei por algum tempo que eu deveria mesmo ser viado, até que, um dia, eu descobri o que os viados fazem...
PUTZ!!! Aquilo não era pra mim não!!!!!
Com a descoberta da verdade sobre os viados, vieram também o amadurecimento dos hormônios masculinos, que graças a Deus sempre correram em abundância nas minhas veias. Meu corpo se encheu de pêlos, minha barba apareceu, as pernas engrossaram, assim como minha voz, e meu pau se desenvolveu mais do que minhas mãos... que continuaram pequenas (e peludas).
Depois que comi minha primeira borboleta (que é como eu chamo carinhosamente o órgão genital feminino... muito melhor que a rima...) saí do quarto, fui pro bar, pedi uma cerveja. Fiquei doidão, bati na mesa do balcão e gritei: Quero mais uma, porra! - NÃO que eu quisesse mais uma porra, mas a expressão anterior pode muito bem ser interpretada assim por alguns conhecidos meus, por isso é melhor deixar essa observação. Quando gritei, vi que muitos senhores que estavam ali presentes me olharam com respeito e admiração, e eu curti aquilo...
Comecei a curtir essas coisas de homem...
Falar de futebol (jogar nem pensar) sem entender porra nenhuma, beber umas dez cervejas e uma vodca e ficar doidaço (e ás vezes trocar as bolas e beber dez vodcas e uma cerveja - e ser carregado de volta pra casa), mexer com as gostosas na rua... Homem só pensa em mulher, é sempre aquela velha vontade de fuder com tudo, a bendita Síndrome do Pavo.
Descobri que quanto mais borboletas eu comia mais grave minha voz se tornava, mais magro eu ficava e pasmem, até meu desempenho escolar melhorava:
- Se vocès verem que o ãngulo formado pelo arco da circuferência é igual ao ângulo central, podemos encontrar facilmente qual é o raio dessa circunferência...
- Nossa Gustavo, como vocè sabe disso tudo?
- Ando comendo borboletas...
E então? Fim da história? De jeito nenhum. Ainda que tivesse descoberto que ser homem é do caralho, e depois de começar a achar que poesia é uma frescurada só (e isso foi depois de adulto, durante o meu curso de Letras...), eu não me tornei um ogro troglodita não. Porque eu AINDA detesto jogar futebol, admiro as mais diversas formas de expressão e - por que não? - aprendi que a expontaneidade dos viados - cujo termo não é politicamente correto - me ensinou e ajudou a me tornar mais honesto, brincalhão, menos preocupado com as críticas sociais e mais um monte de coisas que adquiri em minha convivência com amigos gays. Claro cara, quem estuda Letras, e faz Teatro, TEM amigos gays, é inevitável e deveras interessante. Muitas de minhas conquistas amorosas se devem ao fato de ter aprendido a conversar por horas a fio com uma gata sem tentar seduzi-la, o que me fazia me sentir relaxado e confiante. Essas coisas não se aprendem nas rodas dos brucutus.
Às vezes, as pessoas acham que, por conversar e andar com gays, também sou gay. E eu tenho que levar isso numa boa - não se faz um curso de Letras e Teatro sem que as pessoas não te considerem gay. Mas não sou. E não me ofendo, ora! Mas minha tara são as borboletas, as bundas empinadas, os seios salientes, as camisetas molhadas, as pernas, as coxas... ah, vá, tudo bem, depois disso tudo eu reparo nos olhos. E no cabelo. E naquela curvinha que desce nas costas e vai até a bunda empinada... hmmmm...
Com o advento dos meus 30 anos, esse aparente conflito de personalidade já deixou de ser um tormento na minha vida. Tudo bem, podia ser motivo de perder noites de sono pensando, "será qu eu sou gay? Mas é de mulher que eu gosto..." quando eu tinha lá meus 13 anos. Mas não hoje... tenho problemas muito maiores pra resolver - embora o resgate dos mineiros do Chile tenha eliminado alguns deles. Com a eleição de Dilma Roussef para Presidente do Brasil a partir do ano que vem, a busca por uma identidade é questão secundária... sou só um escritor maldito, sensível o suficiente para conseguir expressar em palavras aquilo que pensa e sente... e com um desejo insaciável de devorar borboletas... O resto é bobagem!

4 comentários:

  1. A guerra contra si próprio é sempre a pior de todas. Não há quem nunca tenha se enfrentado pelo menos uma vez. Que tenha se olhado no espelho e desafiado a própria imagem, chamado para o confronto e até ofendido verbalmente. E por mais ardiloso que seja, o seu adversário também será, afinal de contas, ambos contam com exatamente as mesmas armas. Não há como xingar sem ser insultado, não há como atacar, sem ser atingido. Não há como vencer, sem ser derrotado.

    Mas, o pior de tudo, é que por mais paradoxal que pareça, a paz não é tão facilmente conquistada. Nem sempre quando um lado ergue a bandeira branca, o outro se rende. Pelo contrário! Ele massacra...

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  2. Por isso mesmo vou sempre continuar pregando a aceitação individual plena, em todos os sentidos. Só nós mesmos temos capacidade de avaliar quais nossos pontos fracos e fortes, ainda que possamos nos embasar na visão de outrem, para seguirmos na trilha do crescimento. E viva as borboletas!!!

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  3. Meus amigos, o Gu gay??? Não consigo imaginar que essa idéia tenha sequer passado na cabeça deste cara um dia.
    Sei que sou suspeito para dizer, mas o Gustavo é, para mim, um daqueles gênios que caminham entre nós e ainda não foram descobertos.
    Alguns escritores precisam de inspiração para escrever, outros precisam de estudo. O Gustavo é aquele cara em que a gente vê a arte da escrita fluindo como se fizesse parte dele (cara, você é foda).
    Infelizmente a arte no Brasil (em suas várias formas como música, escrita, pintura, dança ...) não é valorizada fazendo com que nossos gênios acabem tendo que procurar várias formas alternativas para viver. Este é o caso de nosso gênio aqui.
    Acho que a incompreensão que o Gu tinha quando criança era devido à limitação dos colegas de não ver o que ele via e entender o que ele entendia.

    Grande abraço.

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  4. Kkkkkkkkk... Leo, você é ótimo! Muito obrigado pelas palavras... Você sabe que é um cara que me "suscita" (eita verbo que nos traz más lembranças) muita inspiração, principalmente pelos nossos muitos pontos de discordância. Não se preocupe, essas idéias malucas já foram superadas, a não ser naquelas nossas conversas informais quando meus brothers tentam me convencer do contrário... Abraço pra vc também.

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