quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

A casa do Saci ou Uma Crônica de Fim de Ano

ADVERTÊNCIA: Essa crônica NÃO traz mensagens de paz e de Feliz Ano Novo. Por isso, se não quiser estragar sua festa, espere até o dia 2 de janeiro para lè-la.



Todos os átomos que constituem meu corpo surgiram a bilhões de anos atrás, no que os cientistas chamam de Big Bang, a grande explosão cósmica que deu origem ao universo como conhecemos hoje. Talvez por isso mesmo, embora cronologicamente nesse corpo eu esteja vivendo a menos de trinta anos, meus átomos guardam todas as "lembranças" do passado, o registro homeopático de como o mundo foi e tem sido desde que essa realidade existe...

Bom, é claro que um parágrafo como esse não poderia estar sendo escrito em horário melhor do que o a madrugada, pois como sabem aqueles que me lêem desde o início, eu tenho o dom de não dormir mais do que quatro ou cinco horas por noite, e agora mesmo, nesse exato momento, estou vivendo os primeiros trinta minutos do último dia do ano de 2010. E nesse clima de Natal e Ano Novo estou vendo tantas mensagens de esperança e fé que eu não poderia deixar passar em branco sem uma única crônica de fim de ano.

Meu Reveillon vai acontecer outra vez na casa dos meus pais, numa chácara de Esmeraldas, onde todos os anos desde que eles se mudaram pra lá toda a minha família se reúne para celebrar, claro, a união da família e o nascimento do menino Jesus. Minha filha, de cinco anos, com sua pureza singular, sente que a representação do nascimento de Cristo é mais importante do que a chegada do Papai Noel. Graças a Deus, minha mãe tem sido boa influència para a criança, porque ela ficaria horrorizada com os ensinamentos do seu progenitor. Sou do tipo de pai que tenta fazer uma menina de cinco anos entender o que é uma metáfora, o que acredito que é um diagnóstico claro de que, ainda que eu a ame mais do que tudo, não aprendi muita coisa no curso de Didática da Licenciatura...

Eu detesto o Natal. Detesto o Ano Novo. Que me perdoe o Menino Jesus. Que me perdoem aqueles que esperam ler mensagens de paz e esperança para o Ano Novo. Sei exatamente o roteiro, como tudo acontece, e me entedio sempre. Fico deprimido, sei lá. Até tentei mudar um pouco as coisas esse ano. Levei por exemplo uma mala com coisas das quais eu até conseguiria sobreviver na roça, por exemplo, meu par de chinelos novos, que ganhei de amigo oculto. Sempre deixo de levar chinelos pra casa dos meus pais, porque eles guardam centenas de pares velhos por lá que sempre servem para toda a família. Quero dizer, SERVIAM. De uns tempos pra cá, toda vez que qualquer pessoa vai procurar um par de chinelos pra quebrar o galho por algumas horas, ou dias, encontra pelo menos 489 chinelos... TODOS do pé esquerdo!!!!!!! É impressionante! Desde quando meus pais se mudaram e aquela casa se tornou a casa do Saci???
No fim das contas já me lembrei de pelo menos 78909 palavrões diferentes, cinco deles na língua árabe. Como uma família consegue se manter unida sem chinelos suficientes pra usar?

Então zarpei com meu par de chinelos novos, pois pelo menos um aborrecimento a menos eu teria. E lá fui eu celebrar a beleza da união em família, o valor dos ensinamentos e das virtudes, eu que a algum tempo desmantelei o que chamava de minha família, agora vejo meus primos e meus irmãos sonhando com uma vida futura de filhos, casamentos e riquezas financeiras, coitados, sem terem a noção de que infelizmente NÃO estarão ricos aos 30 anos.

Recentemente descobri que sou o grande exemplo de "filho que faz besteiras e se dá mal na vida". Minha tia me contou que sempre que o filho pensa em se casar ela diz: "olha o que aconteceu com Gustavo". Beleza, fico muito feliz em saber que sirvo de ensinamento pra todo mundo. Ninguém se lembra que, de todos da família, fui o primeiro a me profissionalizar, que trabalho desde os 18 anos, que trabalho na mesma empresa a oito anos e meio, e que de lá pra cá eu só acumulei promoções, aumentos de salário e até uma viagem pro exterior. E que já estou cursando minha segunda graduação. De repente a gente se torna um moleque. Minha mãe me diz que uso calças de moleque, que fico ridículo quando uso brinco. Porra, aos quinze anos ela me dizia que pra usar essas "porcarias" eu teria que trabalhar e ser independente, agora que trabalho e sou independente sou muito velho pra usar calças com detalhes e brinco na orelha?

Como se não bastasse, sou o irmão do filho caçula que vai se formar em medicina. Ele não tem nome nem identidade, todo mundo se esqueceu de quem ele é e agora só o vê como o "filho médico". Ruim pra ele, pior pra mim e pro meu segundo irmão que se graduou, fez Mestrado no Rio de Janeiro e ninguém sabe direito o que ele faz... Ah, ele tem quase trinta anos também, e não ficou rico...

Pois é, de repente o tempo passa, e eu percebo que estou cansado... Novo pra isso, claro, mas já perceberam como os jovens de hoje estão mais cansados, mais impacientes com tudo o que acontece no mundo? Parece que eles já viram o filme muitas vezes, mais do que nós, mais do que a geração anterior, que deveria estar mais cansada do que nós mas por incrível que pareça manifesta mais vitalidade, mais esperança, não sei em quê. E eu acho que são os átomos de bilhões de anos atrás conservando em nós a história, já nascemos de olhos abertos porque aprendemos antes de nascer, porque já vivíamos antes de viver...

Acostumamos a ver a vida como um ciclo, mas eu só vejo um contínuo movimentar-se para a frente. O ano é novo, mas eu só vou ficar mais velho. Continuo com os mesmos problemas e os juros de cartão de crédito não abaixarão no ano que vem. Os papéis sobre minha mesa estarão me esperando no dia 3 de janeiro, do jeito que deixei no dia 22 de dezembro. Não haverá ciclo, não haverá renovação. Só promessas que não irei cumprir, projetos que não irei concretizar. Por quê fazer promessas no dia 31 de dezembro? Por que não fazê-las no dia 26 de março, que é um dia como outro qualquer? Ou no dia 31 de julho, quando enfim completarei finalmente meus 30 anos (e não estarei rico)?

... (pausa para reflexão... entre o parágrafo acima e o parágrafo abaixo se desenrolaram uns bons dez minutos...)

Não, diante dos gritos de protesto dos meus leitores vou avisando: NÃO sou materialista, NÃO sou conformista e NÃO sou o cara que quer estragar a festa de quem acredita na renovação e quer compartilhá-la com aqueles a quem mais ama. Só que me incomoda, demais, essa indústria do "agora vamos mudar porque é a virada do ano". Porra, cara, a gente tem que mudar todo dia, não há um momento em que eu não sonhe com isso, e o fato do ano novo estar chegando não muda em NADA o meu estado de espírito. Só me incomoda é que AGORA todos queiram algo que a gente deveria pensar o ano inteiro. Ou querem ou são obrigados. Daí, dá-lhe torpedos, scraps e tweeds de feliz ano novo, que nesse ano que virá se renovem as esperanças e blábláblá... Meu, tem dias que a vida é uma MERDA, eu quero votos de esperança TODOS OS DIAS, preciso de palavras de conforto SEMPRE, assim como eu acho que posso (e deveria) distribui-las SEMPRE!!! Não só quando baixa o Espírito Natalino... sei lá quem é esse cara, de que Centro ele é, mas em mim ele não baixa não senhor. A única coisa que se torna evidente pra mim é que, ainda que em doses homeopáticas, meus átomos estão ficando cada vez mais cansados de milênio após milênio ouvir sempre as mesmas histórias desse ciclo linear que é a miserável existência humana...


Que todos os dias de 2011 sejam felizes pra vocês, mas como tenho certeza de que NÃO serão, assim como os meus também não, quero que saibam que podem contar comigo - pelo menos os mais próximos, porque nem todos eu conheço - e pra esses, gostaria de poder sempre contar com vocês.

E tomara, tomara MESMO, que todos vocês realmente tenham com QUEM contar... nos bons e maus momentos.

4 comentários:

  1. Esse site tá com data e hora desconfigurados. Caralho, são quinze pras duas da manhã de 31 de dezembro, ele tem CORAGEM de falar que postei ás 18h25 de ontem??? Qualé!!!

    ResponderExcluir
  2. boa crônica, abração e até breve

    ResponderExcluir
  3. Gustavo, não preciso nem falar que adoro mto seus escritos, né?
    Acho sua linha de pensamento mto palpável, pouco fantasiosa. Acho isso fantástico. É um choque de realidade sem machucar.
    E pode contar comigo, ainda que não sejamos tão próximos assim. :)

    Ah, quanto às suas calças... Então... Calças com "detalhes"... Prefira o básico. Sério. Os jeans cheios de penduricalhos, bolsos e várias cores são mais feios que bater na mãe.

    Um abraço!

    ResponderExcluir
  4. kkkkkkk... Obrigado Augusto, pelos comentários e plo toque com o lance das calças. Minha mãe vai ficar muito feliz de saber que ela não está sozinha. Ultimamente to aderindo ao básico, mas ainda não optei por desfazer dos "penduricalhos". Vou amadurecer a idéia.

    ResponderExcluir