sexta-feira, 8 de outubro de 2010

AINDA PASSO NO BURACO DESSA AGULHA...

Muitas vezes passei noites em claro (sim, você leu meu último post) por razões que superavam a mera incapacidade de conciliar o sono, mas nunca me ocorreu de não conseguir dormir por não estar em paz com minhas convicções morais. Apesar do que dizem as (boas) línguas, eu nunca me considerei um poço de virtudes, embora por pouco não tenha me dedicado a uma vida religiosa quando estava na adolescência (Não sei por que todo adolescente sem mulher acha que vai resolver a vida ou indo pro exército ou indo pro seminário...). Graças ao meu bom Deus isso não aconteceu, e com o amadurecimento de minhas faculdades mentais (e meus testículos) descobri que melhor mesmo era estudar, trabalhar, e xavecar (não necessariamente nessa mesma ordem!) do que ficar me martirizando por causa de questões escatológicas que, por sua própria natureza, jamais terão respostas, pelo menos, creio eu, nas minhas 3 ou 4 próximas encarnações.

Mas apesar de, ainda que tenha abraçado o hedonismo como filosofia de vida ( embora a prática de trabalhar 12 horas por dia - acho que nem jumento faz isso! -, estudar à noite, acordar de madrugada para ir para uma academia completamente árida de mulheres gostosas e dormir 20 horas por semana esteja longe do que se pode esperar de uma vida de prazeres), nunca me vi como um egoísta insensível à dor alheia, despolitizado, massificado ou pouco solidário... como tentaram me fazer crer na semana passada...

Almoçava com algumas colegas de trabalho num dia normal, quando uma delas contou um fato ocorrido alguns meses atrás, em sua faculdade. Estava ela prestes a saborear um delicioso pão de queijo (e digo "delicioso" como um A-PAI-XO-NA-DO por pão de queijo...) quando um pedinte na rua veio lhe pedir um pedaço de seu lanche. Era um garoto, de uns doze anos, maltrapilho, e ela, coitada, penalizada, ofereceu todo o pão de queijo, e como não tinha mais como comprar outro, passou a noite faminta!

Ora, ora... não pude deixar de rir, e rir muito da cara dela. Pois, expondo minha opinião, se estivesse no lugar dela o máximo que o garotinho ia receber seria uma banana! Um tremendo NÃO. É claro que, como adoro uma platéia, exagerei na dose e teatralmente expus como trataria o pedinte pela sua ousadia em tentar levar vantagem sobre mim para consumir minha única possibilidade de saciar minha fome naquela noite fatídica. Mas a minha mensagem era muito clara: apesar de me sensibilizar com a situação do próximo, não acredito que devo chegar ao ponto de me prejudicar (ainda que, segundo minha amiga, coitadinha, ela só iria ficar com fome até chegar em casa - cerca de QUATRO MALDITAS HORAS DEPOIS... enquanto o garotinho nem sabia a que horas ia comer...). OOOHHH AMIGA... - disse eu. - A essa hora ele já devia ter comido centenas de pães de queijo enquanto você ficou lá passando fome. Ora, já que precisava de caridade, por que não foi lá na lanchonete pedir um lanche? Então se é pra comer pão de queijo de graça (que eu AMO!!!!) vou largar meu emprego, parar com essa vida de trabalhar doze horas por dia, dormir 4 horas por noite, e ir para a porta das faculdades pedir lanche!!! Já que, trabalhando como estamos, ainda corremos o risco de ficar com fome... e ter que depender da boa vontade da nossa mãe que vai fazer janta quando chegarmos em casa...

Eu concordo que a situação social de nosso país é uma vergonha, ainda que tal afirmação tenha um ar de vazio e tenha até um certo tom de demagogia sendo proferida por este escritor maldito. MAS O QUE EU NÃO ADMITO é que, me levantando todos os dia às seis da manhã e dormindo após a meia noite, trabalhando como um jumento, estudando igual a uma mula (e aprendendo como ela também...) eu ache que tenho que me envergonhar por ter condições de comprar UM ÚNICO PÃO DE QUEIJO EM DIA DE PAGAMENTO (ou em final de mês) enquanto o outro - que tem uma condição de vida muito menos favorável que a minha, mas nem por isso posso afirmar que se sujeitaria aos mesmos percalços que eu se lhe fosse dada a oportunidade - não tem, a ponto de eu ter que ceder o meu único lanche a esse meu pobre semelhante.

O que me revolta com essa atitude de minha colega é a meta-mensagem que ela transmite, o que está no inconsciente de nossa sociedade ocidental cristã... a idéia de que ter condição financeira favorável é quase um pecado, motivo de envergonhar-se, a ponto de ser necessário abrir mão de certo prazer para aliviar um pouco a nossa consciència. Ainda que, para atingir tal condição favorável, tenhamos tido que enfrentar uma situação familiar complicada, trabalhar para se manter na escola, fazer um curso profissionalizante ainda adolescente pra ajudar com as despesas do lar, trabalhar em horários noturnos, dormir em repúblicas, e enfrentado outra gama de desafios e intempéries suficientes para preencher um livro do tamanho da trilogia do Senhor dos Anéis. Não, tudo isso fica esquecido quando alguém mais pobre surge pedindo que você conceda a ele, sem que ele tenha que fazer o menor esforço, o pão de queijo pelo qual você teve que acordar as cinco da manhã para merecer. E é claro que, envergonhado, como se a culpa pelas desgraças do mundo fossem todas suas, vocé concede às penas de sofrer por mais algumas horas dali por diante os males da fome que se julga que teria sido a sina do outro caso vocè não realizasse seu ato de bondade. Afinal de contas, se um camelo passa por um buraco de uma agulha antes de um rico entrar no reino dos céus, passará muito mais fácil se doar seu lanche todos os dias, aliviando assim a alma de quem tem o que usufruir nessa vida mas não pode em respeito aos que não tèm.

Me poupe.



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