segunda-feira, 23 de junho de 2014

UMA CRÔNICA HISTÓRICA - ou Diário de uma visita em família a Ouro Preto

Ao som de Infinita Highway marcávamos nossa viagem de volta de Ouro Preto. Às vésperas de completar 33 anos, jamais tive a oportunidade de vencer os poucos mais de 130 quilômetros que me separavam de um dos maiores centros históricos do nosso país. E, por pouco, iria precisar esperar mais. Mas o patrocínio do meu irmão Ramon e a vontade de estar numa viagem em família superaram as minhas dificuldades, e naquela segunda-feira, dia 16/06, iniciamos nossa jornada.

 No caminho, registramos mais uma edição do Rádio Polo. Há dois anos, meu irmão e eu criamos o hábito de gravar um “programa de rádio” a bordo do seu carro (Um Polo, daí o nome...). Cada gravação não durava mais do que dez minutos. A nova edição contou com a participação de Vovô Eustáquio, Vovó Esmeraldina e Karine, a caçulinha sem educação. Engraçado como essa brincadeirinha faz a gente se encher de saudade daqueles momentos cada vez que escutamos.  Ouço os programas antigos e sou capaz de lembrar exatamente onde estava quando cada palavra foi dita.


E finalmente, após algumas horas de estrada – e uma retenção que nos deixou imóveis por mais de quarenta minutos – eis que chegamos ao nosso destino. Havia muito tempo eu não encarava o desafio de estar no mesmo teto que meu irmão, meus pais e minha filha por mais de três dias, convivendo juntos e revivendo experiências da minha infância enquanto marcava uma outra. Minha única certeza nessa viagem é que as sensações provocadas por ela durariam para sempre.

O primeiro contato com a Praça Tiradentes não me surpreendeu, confesso.  As ruas de pedra – que devem ter causado algum dano à suspensão do nosso querido Polo – faziam me sentir na Universidade Federal de Minas Gerais, exceto pelo fato de não encontrarmos quase nenhuma região absolutamente plana. As casinhas me lembravam muito às de minha querida Caracóis de Cima, uma região de Esmeraldas que mantém ainda intactas suas origens. Como já estávamos no horário de almoço e não tínhamos muito tempo para rodar a cidade, optamos por “experimentar” a tradicional comida mineira no Restaurante Bené da Flauta, recomendado por servir a melhor torrada do mundo, o que é um grande exagero, embora sua comida seja excelente, salgada apenas no preço!


Aliás, a cozinha mineira foi nossa escolha em todos os outros dias da viagem. Eu, que me recuso a subir em uma balança já há alguns dias, ainda não consegui ficar de saco cheio de tanto ver panelas de pedra em fogão à lenha recheadas de frango com quiabo e feijão tropeiro!

Nestes dias em especial, visitar Ouro Preto não é somente viajar no tempo, mas também no espaço. Em clima de Copa do Mundo, a cidade recebe turistas de todas as partes, e tem-se não só a sensação de estar em outra época, mas em outro lugar. Pelo menos dois mil colombianos haviam chegado ao centro histórico no fim-de-semana (dados não oficiais) e muitos europeus e asiáticos também estavam presentes.

No dia do jogo do Brasil contra o México, pela segunda rodada da fase de grupos, visitamos o Museu dos Inconfidentes e a Casa da Moeda. Conhecemos mais uma vez detalhes da história do povo em sua luta pela liberdade da opressão e da tirania de um império massacrante, mas de forma tão presente ela nos provoca arrepios. Acompanhamos o desenrolar dos acontecimentos torcendo para que dessa vez o final tenha sido diferente, mas nada muda. Os instrumentos de tortura aos escravos nos provocam dor quando os vemos. Difícil imaginar que há apenas três gerações da minha (sim, somente três gerações! O avô do meu pai foi escravo)  algo assim era usado contra um ser humano, usado pelos mesmos que ao cair da tarde frequentavam aquelas belas igrejas que rodeiam toda a cidade... Com certeza, ainda temos muitas contradições a superar.

Contradições muitas vezes retratadas na arte barroca presente por todos os lados. O barroco brasileiro sempre foi considerado uma arte “pesada”, carregada demais. Diante das obras de Aleijadinho, a profusão de dor e sofrimento exaltadas por imagens sagradas faz-nos sentir realmente diminuídos e em eterno conflito. O “culto do exagero” é onipresente, e olhos pouco adaptados à arte sentem que tudo aquilo é maravilhoso.
À tarde era hora de nos concentrarmos na Praça Tiradentes para assistirmos ao jogo da Seleção Brasileira. Um telão instalado no centro da cidade atraiu centenas de pessoas às ruas, e assim pudemos ter uma noção da dimensão da quantidade de turistas na região. Não eram poucos, mas menos do que esperávamos.  Meu pai, meu irmão e eu nos embolamos do jeito que dava, sentados no chão mesmo,  e entre uma Skol e outra fomos abordados por uma das figuras dessa viagem, o “Pitoco” um negro catador de latinhas e óculos fundo de garrafa que dava a si mesmo os méritos para aquela festa. Nós o tratamos bem a princípio, mas sua insistência em não nos deixar assistir ao jogo e ainda por cima querer beber nossa cerveja logo nos fez querer despistá-lo. Não foi fácil.

No intervalo do primeiro tempo, quatro latões (pra cada) e nenhum gol, já havíamos atingido o nível 2 da embriaguez. Na multidão um mexicano solitário era celebridade, tirava fotos com todo mundo. Um problema com meu carregador de celular me deixou praticamente incomunicável,  e o 1% de bateria restante no celular do meu irmão não foram o suficiente para que pudéssemos registrar aquele encontro “histórico”. 

Segundo tempo de jogo, e a Skol havia sido substituída por dez Kaisers que um morador de uma república vendia a dois reais cada uma. Os gritos de gol não vieram, ficaram entalados no fundo da garganta, impedidos pela atuação brilhante do goleiro mexicano Ochoa. Mesmo assim já estava rouco, gritava palavrões e gesticulava muito, entrava nesse momento no nível 3 da embriaguez. Tudo era festa! Fim de jogo, nada de gols. 

A multidão se espalhava e no meio da muvuca enxerguei minha mãe e minha filha que deviam estar na pousada. Então meus olhos já estavam me pregando uma peça? De jeito nenhum, elas chegaram a tempo de nos encontrar nos enturmando com um grupo de alemães que também tinham ido ali assistir ao empate da Seleção Brasileira. No meio deles, apenas um suíço que morava no Brasil falava português. Mas não lhe dei atenção, aproveitei meu "momento desinibição" para apresentar aos gringos minha mãe e minha filha, só para mostrar à minha progenitora que os anos de inglês não foram em vão. A Karine ficava maravilhada e ao mesmo tempo incomodada a ver pessoas conversando sem que ela pudesse entender uma só palavra, e ao mesmo tempo se sentia orgulhosa em saber que o papai podia entendê-los (desde que falassem somente em inglês... hehehe). 

Depois de nos despedirmos dos estrangeiros  -  e, na versão da minha mãe, gritarmos "Brasil! Brasil!" para os carros que passavam nas ruas - avistamos um rapaz afeminado que vendia ingressos para o show dos Candongueiros, um grupo de gafieira que iria se apresentar num salão próximo à nossa pousada. Já havíamos tomado conhecimento desse show na véspera, e então resolvemos ir, já que o movimento na praça começava a diminuir. E queríamos atingir pelo menos o nível 4 da embriaguez. 

Não sei se foi o álcool, mas antes de irmos, ainda conhecemos um americano, namorado de uma brasileira, que falava e entendia o português melhor do que a gente. "Oh man, I'd like a chance to warm up my English and you speaking my language. Come on! Forget it!" Acho que disse algo parecido com isso a ele. No caminho, um sambinha na esquina nos fez parar por alguns minutos, e enquanto esperava meu irmão ir até o banheiro do bar, acabei conhecendo Dona Lurdes, uma senhora negra e magrinha, mas muito negra e muito magrinha mesmo, do cabelo bem crespo, dona de um gingado e uma simpatia que logo conquistou a mim e ao Ramon. Ela e seu filho Diogo, que começava a fazer seu curso de metalurgia, também nos indicaram o Clube 15 de Novembro, onde iria se ocorrer o show dos Candongueiros. 

Chegando ao clube, encontramos a dona do salão, que conhecemos um dia antes na mercearia do Seu Enéas. A dona Marli e o marido dela, o "Seu Sérgio",  nos receberam de braços abertos (claro! clientes né?) e nos ofereceram umas porções tira-gosto de cortesia. No balcão, encontramos o rapaz afeminado que tinha nos vendido os ingressos: Josimar. Estudante de não-sei-o-quê, ele se sentou conosco e começou a reclamar (justamente!) do tamanho das porções pelas quais se cobrava 
oito reais! Acabamos discutindo sem querer com a cozinheira que não tinha nada a ver com a história, e fomos pra pista de dança. 

As cervejas já haviam sido substituídas por caipirinhas, e no meio do salão, vi a dona Lurdes, com quem dancei muito, o Diogo, que dizia insistentemente que fazia questão que Ramon e eu viéssemos em sua formatura, e tinha outro cara lá, que depois me adicionou no Whatsapp, mas eu não sei o nome dele! Tinha mais gente, umas meninas com quem dançamos um pouco de forró, só pra esnobar, mas o pior da noite foi ficar se esquivando do Josimar, que queria ficar comigo ou com o Ramon de qualquer jeito.

Quando percebi que estava ultrapassando já o nível 4 da embriaguez, minhas pernas automaticamente me levaram até a saída, e daí pra Pousada, parando pra pedir informação somente uma vez. Deixei pra trás meu irmão e uma blusa, mas só meu irmão iria chegar cerca de meia hora depois - segundo meu pai, que havia ficado acordado esperando a gente, me contou. 

Levantamos cedo no dia seguinte, mas não conseguimos ir muito longe. Após o café, dormimos enquanto vovó e Karine batiam perna pelas ruas de Ouro Preto. Somente à noite, contra a vontade da netinha, conseguimos fazer nosso último passeio: passar depressinha pela cidade de Mariana e conhecer um pouquinho de mais um centro histórico.

Enfim... visitar Ouro Preto foi uma desculpa que conseguimos para tirar nossa família do cotidiano e nos colocarmos juntos num lugar diferente... as anedotas que essa viagem nos proporcionou seriam praticamente as mesmas quaisquer que fossem os lugares escolhidos, e não caberiam nessa crônica: as conversas jocosas no café da manhã, a preocupação excessiva de minha mãe com a comida, a quantidade de sonequinhas.. além é claro dos longos papos que a muito tempo eu não podia bater com meu irmão caçulinha, no final das contas, foi o maior legado histórico que essa viagem pôde nos proporcionar, e queira Deus que as promessas feitas na Casa do Saci comecem de fato a se tornar - como o amor que tenho por essa família tão atrapalhada! - uma realidade! 









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