sábado, 26 de fevereiro de 2011

A favor do coletivo

Esse post é uma resposta ao vídeo abaixo:



Uma das coisas que me fez iniciar esse blog é a profunda aversão que sinto a qualquer gesto, atitude ou comentário hipócrita ou demagogo. Comecei em outubro do ano passado e, revendo minhas crônicas, percebo que o que me move a escrever na maioria das vezes é o grito de protesto que sai da minha garganta quando vejo o poder e o discurso, e muitas vezes o poder do discurso e o discurso do poder sendo usado de maneira nefasta.

Não consigo descrever o sentimento de repulsa que me causou ter assistido ao vídeo desse senhor Luís Carlos Prates, jornalista e psicólogo, excelente comunicador, tecendo comentários infelizes sobre a situação do trânsito em São Paulo no ano passado. Ora, aqui em Belo Horizonte temos vivido situação se não igual ao menos semelhante ao que se vê nas terras paulistanas. Com o fim do horário de verão, as ameaças de greve dos rodoviários e o lançamento do filme do Justin Bieber em 3D, a minha rota Pedro Leopoldo - Belo Horizonte simplesmente parou de andar... literalmente. Desde a MG010, até a Cristiano Machado e Pedro I, passando pela Avenida Antônio Carlos, perdi quase uma hora e quarenta pra percorrer um trecho de vinte minutos nas CATP (Condições Anormais de Temperatura e Pressão).

O senhor Prates sentiria orgulho de mim. Sim senhor, Prates. Pois eu sou um pobre miserável que, mesmo tendo lido vários livros na vida, continuo sem carro, usando o transporte público em prol da melhoria da vida urbana em Belo Horizonte. To investindo em outras coisas primeiro. Trabalho, estudo... Depois penso em adquirir meu transporte próprio. Afinal de contas, espero que até lá a situação das rodovias e avenidas tenha melhorado.

Já estou fazendo meu segundo curso de graduação. Entre 2002 e 2007 eu cursei Letras na Universidade Federal de Minas Gerais. Também vinha de Pedro Leopoldo para Belo Horizonte todos os dias... sem carro. Acordava as cinco da manhã, pegava um ônibus, ia pra Rodoviária de Pedro Leopoldo, pegava outro ônibus, ia pra Belo Horizonte, descia na Cristiano Machado, pegava outro ônibus, seguia a José Cândido da Silveira até o meu local de trabalho. À tarde pegava um ônibus só para ir para a Faculdade. Saía da Faculdade as dez e quinze e tinha que esperar até as 23 horas pelo ônibus de Pedro Leopoldo, porque os horários são péssimos, chegava na cidade e subia para casa a pé, porque aí não tinha problema, não tinha hora pra chegar e mesmo se tivesse não tinha ônibus no horário... então chegava por volta de meia noite e quinze, meia noite e meia em casa e ia dormir pra começar tudo de novo no outro dia.

Sim, eu ia largar o curso. Porque nem jumento aguenta uma carga desse tamanho. Mas então eu joguei todos os meus valores morais para o alto e resolvi: comprei um carro. Pronto! Mais um miserável para fuder com o trânsito de Belo Horizonte!!! E não comprei nenhum carrão não senhor!!! Nada de crediário, ajuda do governo, financiamento, de jeito nenhum. Era um Escort daqueles bem antigos, 1989, XR3, azul, que eu adorava. Pois se não fosse ter estuprado a Cristiano Machado com meu carrinho, eu teria ficado no meio do caminho, louco, morto, ou pior... burro!!!

Então me sai esse senhor não sei de onde e vem me dizer que a culpa pelo caos no trânsito das grandes cidades é do pobre que tem carro!! Pelo amor de Deus, onde vamos parar com tamanha hipocrisia? Meu distinto senhor, ao sair de casa e se dirigir até a redação do jornal, o senhor usou o metrô, onibus, bicicleta ou foi usando o seu Renault?? Responde, seu desgraçado!!! Porque daí de onde o senhor faz a sua avaliação é muito fácil culpar o chefe de família que quer dar mais conforto para a mulher e os filhos, quer poder chegar cedo em casa sem ter que ficar trinta, quarenta minutos no ponto de ônibus, andar esmagado entre os passageiros e ainda correr o risco de ser assaltado...

Claro que não tiro o mérito do senhor ter levantado o fato de que infelizmente temos carros demais hoje em dia. O que já virou clichê, lugar comum. Talvez não tivéssemos tantos se houvessem ônibus de qualidade andando nas ruas, em horários suficientes para que os coletivos não estivessem sempre tão cheios, pois o que se vive dentro de um microuniverso desses é uma humilhação, um desrespeito a esses cidadãos chefes de família que já se desgastaram diante de supervisores, encarregados e gerentes de banco o dia inteiro. Não precisamos passar por mais isso, nem ouvir que, agora que finalmente conseguimos algo para melhorar nossas vidas - já que não adianta ficar esperando o governo e as políticas públicas tomarem uma atitude - somos responsáveis pelo caos no trânsito.

No início do meu curso de Letras eu podia pegar um ônibus que passava na Avenida Antônio Carlos por volta de dez e quinze. Para isso tinha que deixar a sala de aula as dez em ponto. Eu sempre saía, assim como outros alunos que tinham o mesmo problema com o horário de ônibus. Certa vez um professor em sala disse que achava um absurdo essa atitude, pois quando se matricularam no curso todos sabiam que as aulas iam até as dez e meia. E ele dava aulas SEMPRE até as dez e meia. "Filho da puta!!!" pensei comigo mesmo, já que certas coisas não se diz para quem pode fazer você repetir um semestre. "Vai sair daqui, entrar no seu carro, dirigir vinte minutos até sua casa, ficar na internet até meia-noite e acordar amanhã só as dez horas. E tem coragem de nos dar lição de moral. Filho da puta!!!"

Pior de tudo é dizer que os acidentes acontecem porque os carros estão sendo dirigidos por pessoas sem instrução. Ora, quem dirige já tem instrução suficiente para dirigir um carro, pelo menos fez prova, exames, aulas, tudo para comprovar sua capacidade de dominar um carro em uma volta no quarteirão (porque é disso que tratam os exames) mas dizer que é por falta de instrução não se respeita leis de trânsito??? Desde QUANDO diploma agora virou sinônimo de atestado de bom comportamento? Nunca fui mais santo por ser graduado... Pelo contrário! Com toda o conhecimento que tenho, já dirigi sem cinto de segurança, e até embrigado - o que pra mim não é nenhum motivo de orgulho. Basta dar uma voltinha á noite pra ver quem são os desesperados no trânsito, playboyzinhos, filhinhos de papai, escolarizados, graduados, donos de carrões que põem à toda a prova quando o assunto é velocidade.

Eu costumo pensar duas vezes antes de escrever. Acho que as pessoas deveriam pensar também duas vezes antes de falar. Pra não falarem merda em cadeia nacional. É triste. Sei que o cara quis defender um melhor uso do transporte público, o que traria benefícios para toda a população, mas ele foi tremendamente infeliz em todas as suas colocações. Talvez eu o convide a vir debater comigo o assunto, mas tem que ser aqui em Pedro Leopoldo, no domingo... e quero que ele venha de ônibus. Se sair de casa umas onze horas da manhã, pode ser que até as quatro ele chegue aqui.

Bom, pra finalizar minha autobiografia, depois que terminei a faculdade (e o casamento) vendi meu glorioso Escort XR3, a preço de banana. Logo, como disse no início, voltei a contribuir com o fluxo do trânsito de Belo Horizonte. Uma pena que o governo e a BHTrans não cooperam comigo. Os horários de ônibus continuam sofríveis, os coletivos são desconfortáveis, continuam lotados. Um cientista chinês que conheci nesse mês de janeiro me perguntou como é possível que aceitemos andar em ônibus tão cheios, parecendo latas de sardinha, sem ar condicionado e com uma passagem tão cara...

Ainda estou pensando pra responder, mas como sei que todas essas questões vão demorar muito ser solucionadas, aviso de antemão que, ao contrário do que afirmei antes, vou comprar um carro em breve, antes que eu morra, fique louco ou burro...Afinal de contas, só tenho uma vida para esperar.


2 comentários:

  1. Apesar de discordar muito de você em muitos outros assuntos, acabei concordando com tudo que você escreveu neste post. Do alto de uma torre é sempre mais fácil dizer o que os outros que estão lá em baixo devem ou não fazer. É sabido que existe uma quadrilha em BH para concessão do serviço público de ônibus. Os donos das empresas são sempre os mesmos, só mudam de linha. Aquele que era responsável pela linha de ônibus 2402, após vencer o período de concessão, passa a operar a linha 1207. É urgente a criação de um metrô de qualidade em BH além de tarifas mais baixas dos ônibus. Se eu gasto R$ 7,00 para ir e voltar do serviço de carro, por que iria pagar R$ 4,60 para acordar 1 hora e meia mais cedo, ir em pé em um ônibus lotado, cujo ponto é longe do meu destino final me obrigando a caminhar por mais 30 minutos e chegar 1 hora e meia mais tarde em casa no final do dia??? Eu (e todo mundo que pode) vai pagar a conta para ir de carro e isso é um fato. Eu tive que pegar, na última sexta feira, um ônibus às 1h45 da madrugada porque não tinha outro ônibus para fazer a linha Varginha-BH. Sou professor e minha aula acabou às 20h40, fiquei até às 23h na universidade (quando ela fecha) e esperei na rodoviária de 23h20 até 01h45 da madrugada, num frio terrível, meu querido ônibus chegar. Como resposta ao digníssimo senhor que acha que eu tenho que pegar ônibus (e todos que pensam assim), uso a letra de uma música (que acho que é de autoria do Cazuza): "Brasil, mostra a tua cara."
    Abraços

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  2. É aquela velha história da nobreza que se sentia ameaçada pelo crescimento da classe burguesa...

    Quem está por cima odeia ver que o pobre também está subindo. Se sente ameaçado. "Que a ralé continue andando abarrotada nos coletivos e mantenham a rua vazia para eu desfilar confortavelmente no meu carrão"

    Dá vontade, muita vontade, de dar uma porrada nesse hipócrita!

    "Continuem trabalhando para mim, pobretada, mantenham meu estilo de vida e saiam da frente"

    Infelizmente a galerinha mais rica do país pensa assim.

    E, se na casa desse infeliz tem 5 carros para ele, a esposa e o filho único, e cada um sai no próprio carro pela manhã, isso não tem problema. Isso não enche a rua. Agora, o pobre coitado que tem um carrinho usado e carrega a família inteira, esse sim, está causando os engarrafamentos...

    Tá bom...

    Tsc, tsc. Desanimador...

    Bom texto, Gu.

    Revoltante o video.

    Abraço

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